segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Ressignificâncias 1

            A dor e o sofrimento são na vida de qualquer pessoa que seja, o mais intenso e crucial teste às convicções e crenças que elas professam. Não muito importa nesse momento de dificuldade pela qual a pessoa esteja passando, se a mesma vive numa ilha de abundância de espiritualidade, ou, de total ausência dela, todos são como que provados pelo fogo a fim de confirmar ou converter-se de sua postura.
           A vida do cristão não se constitui  em exceção disso, ainda que a Bíblia Sagrada em muitos  de seus textos afirme claramente que Deus governe de maneira soberana o mundo e tudo o que nele há e que este mesmo Deus seja bom, e o amor, seja uma boa definição de seu ser. Se tudo isso é verdade, parece então que deparamo-nos com uma contradição. Não deveria afinal o Deus dos cristãos, uma vez que soberano e amoroso, contemplar os desejos e aspirações deles quando o invocam?
          Antes de tudo, é preciso destacar que como descrito no livro do Gênesis, toda a obra, fruto da criação de Deus era muito boa e, este quadro sofre uma brutal transformação com a entrada do pecado no mundo_ Então, em princípio, o pecado é o causador original do sofrimento na vida dos seres humanos. Sua entrada no mundo é devida à queda de nossos pais originais que não só nos representavam, mas, nós também estávamos neles. Mas, fato é que o pecado adentrou ao mundo trazendo consigo o sofrimento e a medida que se alastraram, tornaram Deus o maior tema-debate da história em todos os campos em que se manifestam a presença do homem; a pergunta central desse debate:_ Por que Deus permite o sofrimento do homem?
         Algo do qual não podemos abrir mão, é que Deus é quem melhor pode nos esclarecer Deus, e o melhor, o único meio universalmente disposto pelo qual Ele fala e a si mesmo revela, é através de sua Palavra. No livro do profeta Isaías encontramos uma preciosa contribuição de introdução para um vislumbre acerca desta questão: " Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos" declara o Senhor. Assim como os céus são mais altos do que a terra, também os meus caminhos são mais altos do que os seus caminhos, e os meus pensamentos, são mais altos do que os seus pensamentos". Is. 55: 8-9. Aqui Deus deixa muito claro que a forma pela qual Ele age e governa a tudo é de natureza  distinta e mais elevada do que a nossa. Suas concepções e trajetória de ação estão além da possibilidade humana. Então, um movimento da  nossa vida que se nos parece incompreensível e inesperadas, podem esconder e escondem-nos momentaneamente um direcionamento de Deus com um propósito a ser posteriormente nos desvendado e percebido como o melhor para nós. Imaginemos a seguinte imagem: Você está à beira-mar de uma bela cidade costeira cercado de um lado por um vasto e belo oceano e, do outro, uma barreira de arranha-céus que escondem por trás deles uma favela. - Esta é uma visão bem fácil ao nosso imaginário, pois ela nos é comum no nosso mundo real_ Você sabe que a favela existe e a ocorrência do sofrimento nela é abundante, mas, você não a vê, não a experimenta, logo, não a sente. Certo dia, você tem a chance de fazer um passeio aéreo por sobre todo esses cenários, oceano, beira-mar, edifícios e favela. Agora vendo a tudo do alto, você sabe da coexistência da contradição, da riqueza e pobreza, da abundância e privação, do prazer e da dor simultaneamente, um habitando a poucos metros do outro. Agora embora a distância, seus olhos podem ver com maior proximidade o paradoxo, e você pode ser abalado de seu estado normal por se imaginar experimentando-o. Entretanto, apesar dessas duas realidades aparentemente coexistirem a revelia de Deus,  ele é Senhor nelas, as Escrituras ensinam que Deus está presente e agindo dentro delas, e não só age, mas, sente-as, sofre com elas porquanto todo homem é imagem e semelhança d'Ele. Enxergar a Deus no sofrimento humano deve nos direcionar antes de tudo, para Cristo. Deus coloca o único santo perfeito que já existiu, o seu filho para sofrer a rejeição, a violência., a ignomínia diante dos homens e por eles ser crucificado finalmente, para alcançar a vitória final sobre a morte e salvar os pecadores que nele creríam. Deus não teve qualquer alegria no sofrimento do seu filho, assim como não tem alegria alguma no sofrimento de qualquer homem. Mas, Ele tem uma intenção na dor que visa tornar a quem sofre um ser, um cristão melhor, mais forte diante das dificuldades que são comuns à todos; um cristão perseverante e paciente, com condição de auxiliar ao próximo no seu momento pessoal de 'deserto e trevas'. Pelo fato de que o homem não possua essa visão do alto e futura, ela é própria de Deus, deve ele esforçar-se por não renunciar a Deus durante a provação. Pode ele dialogar e até contender com Deus assim como fez o servo paciente Jó quando tudo o que tinha perdera sob a permissão de Deus. Jó sofreu, lamentou-se e até amaldiçoou o dia de seu nascimento. Mas, tudo isso fez ele diante de Deus, reagindo contra sua situação até que, sem receber a revelação da  razão pela qual sofrera, obteve a restituição dobrada de tudo o que havia perdido sem também fazer qualquer obra de mérito, recebeu de volta uma proporção dobrada que possuíra por ato deliberado de amor e graça da parte de Deus. O sofrimento de Jó ainda que não seja paradigma para nós no tocante a restituição dos béns, o nosso sofrimento pode ao seu  fim não nos trazer de volta aquilo que perdemos, mas, é paradigma no que concerne ao amadurecimento e transformação realizada. Comparemos o Jó do início do livro que leva seu nome, com o Jó que surge na conclusão de sua história. Assim também, Deus faz conosco ao fim da provação pela qual passamos. " Meus ouvidos já tinham ouvido ao teu respeito, mas agora os meus olhos te víram." Jó 42: 5....


     

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Uma proclamação irrelevante

   
    A proclamação do Evangelho não pode nem deve ser lançada por sobre "os de fora" como uma oferta de indulgência barata e uma carta branca de acesso à comunhão dos santos resgatados do pecado por Cristo em condição que venha confundir a Igreja com o mundo. A  boa notícia do Cristo redentor para o homem deve receber a mais alta paga por parte deste, pagamento como expressão de submissão espiritual, porquanto seja ela o testemunho fiel da salvação  única e graciosa de Deus.    
    Nisto, é extremamente reprovável que na voz de evangelistas, os mais notáveis entre si, em muitos momentos da história, o Evangelho tenha sido publicamente proposto ás multidões de maneiras tão distintas  e  como um sistema de crenças e rituais litúrgicos indutivos humanisticamente dispostos, e , assim, ensinado uma corrupção daquilo que o próprio Cristo nos legou. É fato que existe no meio cristão uma crescente compulsão por submeter o testemunho bíblico a malabarismos de interpretação e distorções de método para tornar o Cristo salvador e senhor numa espécie de servidor e saciador das vontades do homem; um Cristo desprovido da função de juízo e justiça. Prédicas plenárias e abertas sem qualquer fundamento bíblico, tais como: "Jesus está à porta, abra e receba-o." e "Jesus quer salvar-lhe hoje, aceite-o agora", como outras tantas, são oferecidas às multidões como experiência de salvação real do pecador, mas, só desfiguram ao Cristo de Deus e o tornam um mendicante que oferece gratuitamente aos pés dos homens um tesouro ignorado. Além de  questionável método de apresentação do plano salvífico divino, estudos e pesquisas mostram que igrejas que adotam esta prática ou variantes do método popularizado por Charles Finney, não alcançam fidelidade ou membresia daqueles que foram persuadidos a dizer sim para esses constrangedores convites. Neste sentido, R K McGregor Wright em seu livro ' No place for sovereignty' informa que  em determinada denominação evangélica dos Estados Unidos, apenas 9% dos adultos responderam a levantamento dentre seus batizados, afirmavam ter se unido à igreja por razões espirituais. Mas, talvez, nem seja necessário recorrer a estudos e pesquisas para verificar tal fenômeno. Isto é claramente observável aos mais atentos que acompanham o progresso de pessoas que respondem ao apelo cultual, passando por sua permanência ou não na igreja e o efeito de regeneração e mudança de mente produzido em suas vidas por esta pretensa forma de discipulado.  Um problema realmente maior para a igreja não é acerca dos que não permanecem, mas, dos que permanecem sem ser.
         E, é num cenário assim onde o Evangelho não intervém como abolição do pecado e por outro lado, se oferece um placebo contra a angústia do ser que se confirma a célebre sentença de Spurgeon:_"Chegará um dia em que no lugar de pastores, haverá palhaços a entreter os bodes".  No Brasil ocorre um mascarado processo de esvaziamento da fé genuína. Ocorre o que outrora aconteceu em lugares onde o Evangelho agoniza, uma espécie de bolha inflacionária irreal de crescimento do número de cristãos que nada produzem ou transformam na sociedade, prestes a ser implodida e revelar sua triste e contraditória face verdadeira.
        A pública proclamação das boas novas do Reino não pode nem deve ser, subjugada pelo corrosivo hedonismo pós-existencialista que penetrou e assentou-se adentro em lugar de honra, não pode nem deve, jamais abrir mão da premissa inegociável de arrependimento dos pecadores, uma vez que a mensagem de Cristo não conclama simpatizantes para seu convívio, mas, sobretudo, chama eficaz e irresistivelmente esses mesmos pecadores à rendição redentora que só n`Ele habita.  
                                                                                      

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Sobre um Deus pródigo

Sobre um Deus pródigo.



            O estudo das parábolas da Bíblia o contrário da crença popular que lhes reputa uma singeleza e facilidade assimilativa, exige do leitor do texto sagrado mais que uma leitura atenta e pormenorizada. É verdade que os ouvintes da época tinham grande familiaridade com os cenários e contextos apresentados por Jesus em suas parábolas, algo que muitas vezes os fazía com que se identificassem com as mesmas. Entretanto, o próprio Jesus alertou aos seus discípulos acerca de um sentido real escondido nas parábolas vedado áqueles que tem no coração um bloqueio para ver o Verdadeiro Cristo em Jesus (Mt 13,10-15), para esses, as parábolas bem como todo o texto bíblico, não passarão de uma coletânea de preceitos morais, pacifistas e comunitários. 
           O leitor moderno das parábolas precisa lançar mão de vários "fios" das ciências da interpretação textual, para vencer as barreiras histórico-culturais e reencontrar o sentido e o propósito original do texto, a intenção nas palavras pronunciadas por Jesus. A parábola do filho pródigo é uma das narrativas mais conhecidas de todos os tempos, e, muito se faz uso dela no cotidiano como um dito proverbial, mesmo conhecendo-se a apenas superficialmente. Este breve texto não se propõe a fazer uma exposição técnica do método correto de interpretação, apenas quer fazer ecoar um humilde extrato da mensagem comunicada por Jesus (Lc 15,11-32), pois muito acima de sua beleza literária, a mensagem do amor de Deus refletida nela tem tocado corações e transformado pessoas através dos séculos.
           Devemos inicialmente apontar que seu título, que é uma inserção posterior e não pertencente ao texto original, oferece uma informação imprecisa e digna de correção. É certo que o personagem (o filho) em foco tem em si o espírito de prodigalidade, mas, para melhor compreendermos o texto como metáfora do amor de Deus melhor sería chamarmos a ela de "parábola do filho perdido" ou ainda, expandindo nossa leitura, " a parábola dos dois filhos perdidos", uma vez que é isso que vamos encontrar lendo-a por inteiro e sem privilegiar um personagem em foco. O abandono ao lar e da guarda do pai pelo filho mais novo, vai além de uma rebeldia que grita por independência hierárquica e financeira. Em sua época, tal gesto equivaleria a desejar alto e publicamente a morte do pai; repudiar sua governança e sua bênção. Isto não só chocou ao pai, mas, calou-lhe e o paralizou. Da mesma forma isto ocorreu ao filho mais velho. O esbanjamento e desperdício dos bens por parte do filho por sua vez não deve causar estranheza, pois isso é o habitual a todo aquele que promove a licenciosa pilhagem do patrimônio limpo e da reputação sem a bênção paterna. Quando o filho novo agora desfigurado e nu cai em si, está na mais humilhante condição social possível a um judeu, cuidando e disputando sobras do alimento dos porcos, os animais mais impuros por eles considerados. O arrependimento vem somente na situação limite e ultima de degradação moral. De regresso à casa do pai, o filho não busca mais os privilégios e a condição de outrora, tão somente deseja trabalho e pão. Não é isso no entanto, que ele encontra e recebe de seu pai mais uma vez, agora de alegria, chocado. Vestimenta e a dignidade de outrora lhes são restituídas sem que ele tenha espaço para sequer falar,. Mais que explicações ou pedidos de perdão prolongados ao pai interessa o retorno do filho como um resgate de entre os mortos. Surpreendentemente, surge em cena a revolta incontida e desmascarada do filho mais velho, que alega sua constante permanência ao lado e sob a orientação do pai reclamando para si em detrimento de seu irmão "problemático" os privilégios e o usufruto livre do patrimônio do pai. Na revolta do filho mais velho deparamo-nos com a triste revelação de que não um só, mais os dois filhos desse pai estavam na verdade distantes dele, em oposição ora aberta, ora silente à sua vontade e sua governança familiar. 
            Muitas vezes a revolta dentro de uma família, de um filho contra a liderança do pai é constante e perceptível. Para essas é mais fácil oferecer julgamento e sentença. Mas, aquelas revoltas ocultas e silenciosas quando expostas recebem uma condescendência e certa indulgência pelo fato de terem sido mantidas em resguardo. Mas, qual delas provoca na verdade as maiores feridas no seio da família, uma vez que aquilo que está segredado no coração acaba por influenciar e nortear as ações de todo e qualquer ser humano? Qual delas causa a mais intensa dor à quele que sonda e conhece todos os pensamentos e intenções do homem?__ Muito além da importância e necessidade de encontrar as respostas, e corrigir entendimentos e condutas, é salutar saber sem dúvidas que Deus, esse pai refletido na mensagem é sobretudo amoroso e rico em misericórdia, perdoador sem medidas que vê o que ninguém mais vê, a genuína expressão do que está no coração, que deseja ouvir o perdido de perdão derivado do verdadeiro arrependimento, mas, que antes de qualquer palavra ou som nos sair da boca já o encontraremos de braços incontidamente abertos. _____________________               Lendo e ecoando Kenneth Bailey e Simon J. Kistemaker.