Quando investigamos e damos uma maior atenção ao que testemunhamos e vivemos cotidianamente no processo de comunicação com aqueles que compõem nosso círculo de afinidades, percebemos que os relacionamentos interpessoais, os nossos e os alheios, se dão de uma maneira curiosa que congrega características tão plurais e contraditórias, que fica até difícil saber o que os sustenta; o que os fez nascer e permanecer, se diante de uma análise racional e fria eles seriam improváveis, pois são ajuntamentos que reúnem pessoas de perfis, reputações e egos os mais diversos, que se torna a cada dia mais difícil definir o que eles são como uma coletividade.
Esse é um fenômeno não raro nem específico de um ou outro grupo, ele está disseminado por toda parte, em todas os ajuntamentos que nos inserimos, na escolha do nosso time de futebol, na nossa opção de lazer, na igreja a qual congregamos e, se ele sempre esteve vivo, como deve ter estado, vive seu apogeu no presente momento. Em nossa era de pós-modernidade multifragmentada, onde não existem ou não são aceitos conceitos absolutos e tudo é permitido ou válido, a igreja por exemplo, congrega tanto pessoas que estimulam a atuação política dos crentes, quanto aqueles que a desencorajam; congrega tanto pessoas que defendem a resistência civil do crente em tempos e situações de cerceamento, quanto outros que advogam pela intercessão permanente e submissão calada; também congrega pessoas que priorizam o refinamento das amizades seletivas, quanto aqueles que esticam de maneira inalcançável o lastro de amizades breves.
A igreja não deveria ser, mas, aqui também, é cada vez mais um espelho fiel do mundo onde ela está inserida. Ainda que ela, a igreja deva assimilar para compreender o mundo ao seu redor e ser conhecida pela ação de homens, as vezes parece, que esquece ela de valer-se de sua natureza sobrenatural, haja vista sua raiz existencial e fundamento de sustentação não ser humano, e, em algum momento da caminhada ela comete equívocos que embora não abalando a si própria, fere e fracassa setores e indivíduos de seu corpo. Sendo assim, entendendo a igreja como uma mescla heterogênea que se constrói em torno de uma "afeição" ou "interesse" comum,o Cristo, a condução ou o pastoreio de uma congregação nos tempos atuais em razão de uma multiplicidade de desdobramentos possíveis não pode ser mais uma atividade ou um ofício solitário que compartilha apenas funções mecânicas. Não que esteja aqui sendo contradito a orientação bíblica quanto ao pastoreio e liderança da igreja, ao contrário, a história é que fez com que pastores se afastassem de seu ministério e fim primordial atraindo para si ocupações estranhas e dominando funções que podem ser conduzidas por membros outros da igreja. Penso realmente que alguns dos maiores obstáculos para a busca de soluções dentro da igreja sejam em primeiro lugar _quanto a forma e modelo ministrada _ a tendência que todos temos de entender grupos e agremiações de pessoas como um um bloco monolítico e homogêneo; ignoramos as particularidades e características pessoais de cada indivíduo e propomos para o todo saídas embasadas por moldes e parâmetros que contemplam os vícios e necessidades de uns em detrimento de outros. Depois_ quanto a personalidade daquele que conduz o processo de ministração_ obstáculo outro é a solidão espontânea e de impostura do lider que se isola e desconsidera o dom dos demais. Um pastor que mina a atuação e as escolhas de suas ovelhas ou busca um governo autoritário, ou, reconhece como fracassado o processo de discipulado ministrado a elas.
É fato que a governabilidade da igreja é em ultima instância uma posse inalienável de Deus, mas, não podemos desconsiderar que nesse trâmite, o papel de suma determinância do mandato do homem sobre ela pode atrasá-la ou atrair-lhe embaraços. Então a condução de qualquer processo que vise contemplar a universalidade da igreja não pode estar suportado por fundamentos de natureza humana do tipo métodos, estratégias ou táticas; entregar ao homem nossas expectativas é agir com idolatria e atentar contra a propriedade exclusiva de Deus. Nos acostumamos a ver palestras e prédicas que atribuem o êxito dos ministérios dos profetas, dos apóstolos e do próprio Cristo ao uso de fórmulas que podem ser copiadas e reproduzidas nos dias de hoje, e talvez, nos colocamos em duplo engano. Primeiro, pensar que eles de fato utilizaram métodos compartimentados e esses podem ser repetidos alcançando o mesmo resultado. Em segundo lugar, é fazer uma leitura de que o êxito deles (profetas, apóstolos e Cristo) significou em algum momento negligenciar o verdadeiro mandato de senhorío de Deus sobre o mundo, para atender conveniências da igreja ou, êxito do ministério propriamente implicou em sucesso e sossego para aqueles ou ainda, implicará para nós. Êxito como representante arquetípico do padrão bíblico, quer dizer explicitamente fazer a vontade de Deus sem importar a nossa inclinação personalística.
A igreja de Cristo é um extrato do mundo em que ela está incorporado, claro que é um extrato de indivíduos restaurados pela graça, mas, em suas extensões e meios pelos quais ela é percebida na sociedade, ela apresenta um mosaico de muitas imagens e aspectos; pessoas que a fazem, podem ser individualmente mundos distintos e essa característica permanece à parte de como ela se manifesta como instituição. O que em momento algum pode ser renunciado é que sua intervenção definitiva deve ser orientada pelos princípios fundamentais pelos quais ela veio a existir, o chamado de Cristo. O Cristo encarnado de Deus deve ter preeminência na vida da igreja e a fidelidade da exposição genuína de sua Palavra tem de prevalecer, haja vista que apenas o mesmo Deus que criou seres tão diversos e com características sui generis, tem as respostas e os recursos para saciá-los em todas as suas ansiedades e inquietações, como tão precisamente já pontuou outrora o pregador (o príncipe dos pregadores) Charles Haddon Spurgeon: "Deus escreve com uma pena que nunca borra, fala com uma língua que nunca erra, age com uma mão que nunca falha."
"Parem de confiar no homem, cuja vida não passa de um sopro em suas narinas. Que valor ele tem?"_____ Isaias 2.22.