quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Cada pessoa pode ser um mundo




                Quando investigamos e damos uma maior atenção ao que testemunhamos e vivemos cotidianamente no processo de comunicação com aqueles que compõem nosso círculo de afinidades, percebemos que os relacionamentos interpessoais, os nossos e os alheios, se dão de uma maneira curiosa que congrega  características tão plurais e contraditórias, que fica até difícil saber o que os sustenta; o que os fez nascer e permanecer, se diante de uma análise racional e fria eles seriam improváveis, pois são ajuntamentos que  reúnem pessoas de perfis, reputações e egos os mais diversos, que se torna a cada dia mais difícil definir o que eles são como uma coletividade.
                Esse é um fenômeno não raro nem específico de um ou outro grupo, ele está disseminado por toda parte, em todas os ajuntamentos que nos inserimos, na escolha do nosso time de futebol, na nossa opção de lazer, na igreja a qual congregamos e, se ele sempre esteve vivo, como deve ter estado, vive seu apogeu no presente momento. Em nossa era de pós-modernidade multifragmentada, onde não existem ou não são aceitos conceitos absolutos e tudo é permitido ou válido, a igreja por exemplo, congrega tanto pessoas que estimulam a atuação política dos crentes, quanto aqueles que a desencorajam; congrega tanto pessoas que defendem a resistência civil do crente em tempos e situações de cerceamento, quanto outros que advogam pela intercessão permanente e submissão calada; também congrega pessoas que priorizam o refinamento das amizades seletivas, quanto aqueles que esticam de maneira inalcançável o lastro de amizades breves.  
               A igreja não deveria ser, mas, aqui também, é cada vez mais um espelho fiel do mundo onde ela está inserida. Ainda que ela, a igreja deva assimilar para compreender o mundo ao seu redor e ser conhecida pela ação de homens, as vezes parece, que esquece ela de valer-se de sua natureza sobrenatural, haja vista sua raiz existencial e fundamento de sustentação não ser humano, e, em algum momento da caminhada ela comete equívocos que embora não abalando a si própria, fere e fracassa setores e indivíduos de seu corpo. Sendo assim, entendendo a igreja como uma mescla heterogênea que se constrói em torno de uma "afeição" ou "interesse" comum,o Cristo, a condução ou o pastoreio de uma congregação nos tempos atuais em razão de uma multiplicidade de desdobramentos possíveis não pode ser mais uma atividade ou um ofício solitário que compartilha apenas funções mecânicas. Não que esteja aqui sendo contradito a orientação bíblica quanto ao pastoreio e liderança da igreja, ao contrário, a história é que fez com que pastores se afastassem de seu ministério e fim primordial atraindo para si ocupações estranhas e dominando funções que podem ser conduzidas por membros outros da igreja. Penso realmente que alguns dos maiores obstáculos para a busca de soluções dentro da igreja sejam em primeiro lugar _quanto a forma e modelo ministrada _ a tendência que todos temos de entender grupos e agremiações de pessoas como um um bloco monolítico e homogêneo; ignoramos as particularidades e características pessoais de cada indivíduo e propomos para o todo saídas embasadas por moldes e parâmetros que contemplam os vícios e necessidades de uns em detrimento de outros. Depois_ quanto a personalidade daquele que conduz o processo de ministração_ obstáculo outro é a solidão espontânea e de impostura do lider que se isola e desconsidera o dom dos demais. Um pastor que mina a atuação e as escolhas de suas ovelhas ou busca um governo autoritário, ou, reconhece como fracassado o processo de discipulado ministrado a elas.
              É fato que a governabilidade da igreja é em ultima instância uma posse inalienável de Deus, mas, não podemos desconsiderar que nesse trâmite, o papel de suma determinância do mandato do homem sobre ela pode atrasá-la ou atrair-lhe embaraços. Então a condução de qualquer processo que vise contemplar a universalidade da igreja não pode estar suportado por fundamentos de natureza humana do tipo métodos, estratégias ou táticas; entregar ao homem nossas expectativas é agir com idolatria e atentar contra a propriedade exclusiva de Deus. Nos acostumamos a ver palestras e prédicas que atribuem o êxito dos ministérios dos profetas, dos apóstolos e do próprio Cristo ao uso de fórmulas que podem ser copiadas e reproduzidas nos dias de hoje, e talvez, nos colocamos em duplo engano. Primeiro, pensar que eles de fato utilizaram métodos compartimentados e esses podem ser repetidos alcançando o mesmo resultado. Em segundo lugar, é fazer uma leitura de que o êxito deles (profetas, apóstolos e Cristo) significou em algum momento negligenciar o verdadeiro mandato de senhorío de Deus sobre o mundo, para atender conveniências da igreja ou, êxito do ministério propriamente implicou em sucesso e sossego para aqueles ou ainda, implicará para nós. Êxito como representante arquetípico do padrão bíblico, quer dizer explicitamente fazer a vontade de Deus sem importar a nossa inclinação personalística.
               A igreja de Cristo é um extrato do mundo em que ela está incorporado, claro que é um extrato de indivíduos restaurados pela graça, mas, em suas extensões e meios pelos quais ela é percebida na sociedade, ela apresenta um mosaico de muitas imagens e aspectos; pessoas que a fazem, podem ser individualmente mundos distintos e essa característica permanece à parte de como ela se manifesta como instituição. O que em momento algum pode ser renunciado é que sua intervenção definitiva deve ser orientada pelos princípios fundamentais pelos quais ela veio a existir, o chamado de Cristo. O Cristo encarnado de Deus deve ter preeminência na vida da igreja e a fidelidade da exposição genuína de sua Palavra tem de prevalecer, haja vista  que apenas o mesmo Deus que criou seres tão diversos e com características sui generis, tem as respostas e os recursos para saciá-los em todas as suas ansiedades e inquietações, como tão precisamente já pontuou outrora o pregador (o príncipe dos pregadores) Charles Haddon Spurgeon: "Deus escreve com uma pena que nunca borra, fala com uma língua que nunca erra, age com uma mão que nunca falha."

                                    

                              "Parem de confiar no homem, cuja vida não passa de um sopro em suas narinas. Que valor ele tem?"_____ Isaias 2.22.


  

domingo, 27 de setembro de 2015

Carpe diem*





                 Ao cunhar a expressão que dá título ao presente artigo, o poeta, satírico e filósofo da Roma antiga Quinto Horácio Flaco (Quintus Horatius Flaccus),  nascido em Venúsia, atual Venosa na Itália, tinha em mente uma compreensão completamente díspar do que a sociedade de sua época considerava como o ideal de uma vida ditosa. Horácio exortava seu círculo de atuação à abstrair-se das distrações da mente que os afastava da busca da virtude; apesar de que ele ainda estimule o usufruto dos prazeres do momento presente em face da brevidade da vida, neste desfrute proposto por Horácio, deve estar dominante a orientação para que do dia presente se colha, se extraia toda a sabedoria e o conhecimento que tornam o homem pleno.
                 O público-alvo dessa instrução do poeta romano no entanto, estava restrito a uma elite que podia dispor de liberdade e de recursos raros na grande massa dos residentes do império. Mas, a expressão de Horácio preservou-se e continua válida diante da necessidade de que todas as sociedades posteriores tiveram e têm de ouví-la para reorientar sua caminhada na vida, pois não se pode negar que o homem é ou deveria ser um ente, um ser em constante evolução intelectual e aprimoramento da sua relação com a sua própria essência e com o seu semelhante. E notoriamente, isso não acontece. E, quanto ao cristão professo, o homem que foi regenerado por Deus para uma nova vida sem que para isso tivesse contribuído com qualquer obra digna de louvor ou virtude própria, qual a orientação para sua vida presente diante de um contexto que se aproxime do "carpe diem" e da orientação que o Evangelho define para o crente?
                 O apóstolo Paulo na sua carta aos filipenses, "a carta da alegria", ensina aos fiéis daquela igreja e os cristãos de todas as épocas por extensão, um modo de vida que tanto dignifica O Evangelho, quanto reproduz no indivíduo o ideal de vida abundante em face da "vita brevis"  fim e destino que é comum a todos. Referendado por seu  exemplo pessoal, que é por sua vez a imitação tanto quanto possível da vida do Cristo encarnado, Paulo inicia sua instrução louvando a Deus pelo testemunho e progresso na fé dos filipenses, o que muito lhe tem causado alegria mesmo estando ele ausente como pastor deles (v.v. 3-6), o contentamento de Paulo o conduz a interceder em oração para que o amor consciente da igreja os leve ao encontro de um conhecimento maior e excelente acerca de Deus, e da inculpável acolhida no Dia de Cristo (v.v. 9,10).
               A conduta reta dos cristãos não os isenta no entanto, de continuar sob permanente atitude de vigília sobre si mesmos contra as paixões que a Carne  ainda suscite o recalcitrar em oposição ao espírito. O apóstolo destaca que o seu próprio sofrimento em cadeias (v.v. 12-14), em verdade cooperou para o progresso do Evangelho tanto mediante sua pregação e bom testemunho cristão, como produziu-lhe uma influência poderosa numa  proclamação ainda mais intrépida e confiante de todos os que prosseguiram na missão em liberdade. A liberdade para Paulo é na verdade algo que parece ser subjetivo, uma vez que os grilhões que o mundo usa para acorrentá-lo são símbolos menores diante das cadeias em Cristo às quais ele rendeu-se por inteiro e pelas quais a morte vem como troféu e, o sofrimento ainda que produza chagas e dor produz satisfação como fim ultimo.
                Paulo exorta aos filipenses à uma vida como celebração da unidade baseada na expressão mútua e coletiva de afetos que procedem do íntimo e da essência restaurada por Cristo em cada um. Mas é depois de destacar o exemplo de humildade de Cristo em abdicar temporalmente dos meios de sua natureza divina, que Paulo instrui ao seu público-alvo ao modo de vida que relaciona os cristãos professos ao ethos que os definem como tal e que os alinham para uma caminhada prolífica e de absorção tanto da verdade ou das verdades inerentes a sua crença, quanto do usufruto da vida presente que os aproximem da abundância. Para Paulo a vida do homem pós salvação é uma contínua e ascendente trajetória de apreensão do conhecimento da Verdade e de expressão prática dos efeitos nele provocados; Desenvolver a salvação (v.v. 12,13) que Deus efetua no homem, é compartilhar a liberdade adquirida promovendo a libertação dos que ainda habitam suas almas em cativeiros. A irrepreensibilidade diante de Deus mencionada por Paulo, deve ser algo que o cristão ambicione (...para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo)** muito mais que uma marca meramente característica, mas, como uma marca distintiva de um povo que se diferencie dos demais e que se oponha e brilhe diante deles. É certo que nem todos cristãos serão mestres ou alcançarão testemunho excelente, e sempre haverá alguns que se sobressairão a outros, mas a sabedoria é um dom ou atributo que Deus primordialmente dispõe universalmente na medida e com o propósito específico para cada um. De modo que todo aquele que busca em Deus sabedoria para uma vida em virtude e plenitude, tem n'Ele mesmo a fonte de onde se extrai e o doador que oferta àquele que n'Ele busca com fé. Ou seja, Deus tanto dá o dom e a graça, como estimula que se os busque. 
              Na carta aos filipenses, Paulo lembra os crentes que o chamado deles aponta para um encontro com aquele que nos tomou para si, e, isso, é a retribuição singela por um bem maior; é a nossa humilde resposta de gratidão por aquilo que Deus imprimiu em nós, desde antes de tudo, desde a eternidade passada e que por em nós não residir nada que expie o seu ato de amor, façamos e o faremos de maneira o mais justa, o mais pura e mais digna. Tendo em vista diante de nós o ideal, o alvo de uma vida que promova a alegria de Deus em nós, como Paulo encontrou nos crentes de Filipos, é certo que da riqueza em glórias que estão em Deus, seremos saciados e em todas as nossas necessidades Cristo decerto nos suprirá.

                                 *A expressão latina Carpe diem significa literalmente aproveite o dia
                                                                                       ** Epístola aos filipenses. 2.15/ ARA 
               

 
   

sábado, 26 de setembro de 2015

Meditari



Francisco de Assis





                Nascido em 5 de Julho de 1182 na pequena cidade de Assis na região de Umbria, província de Perúgia na Itália, o jovem Giovanni Pietro di Bernardone, também conhecido como Francisco de Assis, ou ainda, mais tarde, São Francisco de Assis, filho do próspero comerciante pietro di Bernardone e de Pica  Bourlemont, era um apaixonado pelas histórias heróicas de cavalaria e pela vida dos cavaleiros combatentes de sua época. Carismático e estimado por muitos jovens como ele, estava sempre cercado de muitos. Logo aos 16 anos de idade alistou-se e ingressou nos exércitos locais em uma campanha militar contra nobres opositores onde presenciou os horrores da guerra, e, por fim, acabou por ser apanhado em prisão como refém sob espera de negociação de resgate mediante pagamento por cerca de um ano até que fosse liberto. 
                Apesar de no cárcere ter adquirido uma renitente debilidade física visual e digestiva que o acompanhou por toda a vida, ao se reintegrar a vida social de Assis levava uma agitada vida de excessos e dissolução e, tão logo pôde, regressou ao campo de batalha, desta vez nos exércitos papais. Nesse retorno entretanto sua vida começou a sofrer um revés, quando teve a primeira de muitas e sucessivas experiências de espiritualidade e contemplação onde teria ouvido uma voz que o constrangia a mudar de vida e buscar o caminho das obras concernentes ao Reino de Deus e principalmente restaurar a Igreja de Cristo. Depois de novamente retornar a Assis, Francisco se despojou de tudo o que tinha e saindo de casa, iniciou uma ordem de frades pregadores itinerantes que abalou o cenário da igreja por onde passava e conferiu ao humilde homem de Assis fama e uma reputação inabalável até os dias atuais.
                Os cânticos compostos por Francisco de Assis exaltam a natureza como um todo; todas as criaturas de Deus integradas e harmonizadas como o esplendor de sua presença e como figuras ajuntadas num "baile" que celebra a glória do Criador; estimulam o homem à contemplação e meditação profundas, a fim de promover a sua integração fraterna como a espécie magna sobre quem repousa a mão soberana de Deus. 

                                   Cântico do irmão Sol / ou / Cântico das criaturas


                                             Altíssimo, todo-poderoso e bendito Senhor!
                                             A ti são devidos os louvores, a glória,
                                             a honra e toda a sorte de bênçãos.
                                             Somente a ti, ó Altíssimo, são devidos,
                                             e nenhum ser humano é digno de falar contigo. 


                                             Louvado sejas, Senhor, com todas as tuas criaturas, 
                                             principalmente pelo irmão Sol 
                                             por meio de quem somos iluminados todos os dias,
                                             pois ele é sereno e radiante de grande esplendor
                                             e reflete tua semelhança, ó Altíssimo.


                                             Louvado sejas meu Senhor, pela irmã Lua e as estrelas.
                                             Tu as estabeleceste no céu, preciosas, serenas e brilhantes.


                                              Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão vento
                                              e pelo ar, nuvens, céu e toda a atmosfera,
                                              por meio dos quais dás vida a todas as tuas criaturas.
                                              Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã água, 
                                              pois ela é útil, humilde, preciosa e pura.


                                              Louvado sejas, meu Senhor, pelo irmão fogo.
                                              Por ele somos iluminados à noite
                                              e ele é sereno, agradável, robusto e forte.


                                               Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã, mãe terra.
                                               Ela nos sustenta e governa, 
                                               produz muitos frutos e plantas e flores coloridas.


                                               Louvado sejas, meu Senhor, pelos que foram perdoados por teu [amor,
                                               que estão enfermos e em tribulação; 
                                               benditos são os que sofrem em paz,
                                               pois, por ti, ó Altíssimo, serão coroados.


                                               Louvado sejas, meu Senhor, por nossa irmã morte física, 
                                               de quem nenhum ser vivo escapará.
                                               Ai de quem morre em pecado mortal, 
                                               mas benditos são os que se encontram em tua santa vontade,
                                               pois a segunda morte não lhes causará dano algum.


                                               Bendiga e louve eu a ti, meu Senhor, e te dê graças
                                               e sirva-te com grande humildade.

                                                                                                        Francisco de Assis 



                                               



quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Você sabe... #4 As 95 teses de Martinho Lutero


   
Recorte ilustrativo das 95 teses de Lutero

                 As célebres 95 teses de Lutero foram um conjunto de proposições levantadas e fixadas nos portões da igreja de Wittemberg na Saxônia, Alemanha, no dia 31 de outubro de 1517, e, endereçadas à Igreja Católica pelo monge agostiniano Martinho Lutero. Através dessas teses contestatórias Lutero poderosamente suportado por suas leituras das cartas paulinas, principalmente a carta do apóstolo aos Romanos convocava a igreja para um debate sobre as suas práticas e o seu ensino na época, sobretudo, no tocante ao que ele considerava a abusiva autoridade papal sobre os fiéis, a exploração do perdão ou absolvição mediante a compra das cartas de indulgência e a completa omissão do ensino da doutrina da salvação por meio da fé.
                  As 95 teses são na verdade o coroamento do ano mais produtivo e determinante na vida de Lutero. Há pouco menos de dois meses, ele já tinha levantado outras 97 teses contra o escolasticismo, o método de leitura e interpretação dominante na idade média e ,que buscava conciliar a fé cristã com a razão. A partir de então, Lutero começou a chamar atenção para seu nome mostrando-se um defensor penetrante e apaixonado por suas convicções. Mas, é com o episódio da fixação do documento de contestação no portão da capela de Wittemberg, diligentemente na véspera do dia de todos os santos, que suas questões até então matérias restritas ao debate acadêmico, extrapolam esses limites e vão atingir em cheio o coração da igreja , pois ao questionar o poder ou a eficácia das indulgências Lutero colocava em xeque a maior fonte de receita da igreja que tinha o intuito de reformar ou mais que isso, reconstruir de maneira suntuosa e colossal a Basílica de São Pedro . 
                É particularmente comovente o relato que Lutero faz de seu choque ao ver na cidade de Roma as longas filas de peregrinos que buscavam a igreja para receber mediante pagamento, o perdão por seus pecados. E, muito embora a igreja oficialmente em momento posterior pronuncie-se e ensine que a indulgência não seja o perdão dos pecados e a permissão para pecar deliberadamente sem dolo, nem a libertação do fiel do purgatório ou a salvação de sua alma, mas, não era bem este o entendimento da época, é célebre a sentença do frade Johann Tetzel enviado para  comercializar as indulgências pelos extensos territórios controlados  pelo arcebispo Alberto de Mongúcia: "Cada vez que uma moeda no cofre do papa cai, uma alma do purgatório sai"*. O leitor moderno cristão ou não, deve saber com antecipação, que as teses são para ele, um convite para um debate teológico acerca da interpretação da Bíblia e da prática da igreja que reflete um determinado período histórico com suas peculiaridades culturais, sociais e humanas. 
                 Por sua vez, o marco que as 95 teses de Martinho Lutero pontuam, também delimita um período intermediário de movimentos de pré-reforma da igreja iniciados desde o Século XIV, com homens como o teólogo inglês John Wycliffe que elaborou e produziu a primeira tradução da Bíblia na língua do povo, a posteriormente conhecida Bíblia de Wycliffe na língua inglesa , e, mais tarde, a grande Reforma Protestante que se alastrou por toda a Europa do Século XVI levando não apenas a Palavra de Deus aos ouvidos do povo, mas proclamando a Revelação de Deus e a Verdade através da correta interpretação do texto sagrado. 

                                                       * A frase atribuída a Tetzel possui inúmeras variantes de forma.


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A capacidade de nos inspirar




                 Recordo  com clareza de quando ainda adolescente e saindo de uma ou outra sessão vespertina de cinema logo após assistir uma ou duas vezes seguidas um filme de ação daqueles mais característicos pela performance espetacular do herói/astro principal, dava de frente com as ruas tomadas por outros espectadores de mesma idade imitando do lado de fora, ou tentando no máximo, reproduzir as cenas das lutas e sequências mais emocionantes que havíamos terminado de assistir na tela grande. Era algo muito comum testemunhar isto e, por vezes, também fazer o mesmo; uma multidão de jovens saltitando e encenando e, agindo assim, repercutindo todos os efeitos provocados pela forte mensagem transmitida. Não raras vezes, alguns se excedíam e terminavam por provocar confrontos reais com sequelas desagradáveis. 
                  Posso afirmar com segurança que em uma grande maioria de nós, qualquer censura alheia que tentasse nos provar que aqueles filmes assistidos tinham um papel preponderante no processo de influência e mudança de comportamento de quem os assistia, seria rejeitada com a mesma paixão que nos organizávamos para voltar a vê-los. A arte (considere-se aqui também o cinema como a sétima arte) tem realmente esse potencial arrebatador sobre nossas emoções, ela nos toca no mais profundo e nos rendemos a ela de maneira a envolver nossos sentidos e alterar nossas percepções mais racionais. E, ela, a arte, pode ser tanto muito boa como perniciosa conforme aquilo que ela inspire e desperte em nós. Não pretensiosamente, gostaria de  dar um salto deixando a posteriori a discussão da natureza da arte para pensar nos impactos psíquicos e sociológicos e situar a atenção num microcampo das emoções e ações provocadas pelas histórias com as quais temos contato, ou deveriamos ter cotidianamente, através da Bíblia Sagrada. 
                Os cristãos de hoje envolvidos por todas as tragédias humanas da pós-modernidade parecem ter perdido uma significativa parte da confiança que outrora possuíram na mensagem e nas promessas de Deus a eles entregues. Parecem eles ter esquecido a importância que as histórias do livro da revelação de Deus desempenhou na vida de seus antepassados, no seu poder de encorajamento e de instrução prática tão fundamentais que possibilitaram a estes cristãos de hoje todo um legado cultural impresso pela mensagem de Deus em todo o mundo. Ainda que vivamos numa sociedade que tende muito mais para a secularização, todas as grandes instituições de proteção e de desenvolvimento humanas tais como a educação, a justiça e a moderna democracia política foram edificadas por homens que professavam a fé do Livro. O fenômeno de retração no avanço do cristianismo como uma fé que possui vigor e credibilidade para protagonizar os rumos do mundo não como uma teocracia, mas, como um estado de justiça e de respeito mútuo, parece ter mais a ver com a perda da crença na Palavra de Deus do que um temor excessivo diante dos homens. Se o mundo está tomado de violência, a igreja perdeu a confiança na proteção e livramento; se o mundo está minado pela corrupção, a igreja perdeu a capacidade de se manter idônea em nome da santidade; se o mundo odeia a Deus, a igreja desfez-se dos afetos mais preciosos que são fundamentais para a constituição do corpo de Cristo; ela não consegue amar nem a si mesma. Para compreender isto, é impossível não imputar responsabilidade ao apagar do entendimento da fé como um conceito revestido de realidade, de poder e de potencial inspirativo. Os cristãos são afinal um povo que por natureza espiritual devería ter a mais destacada inclinação para crer na possibilidade do impossível, ou seja, crer na sua própria existência não como a da mera matéria com um fim determinado e uma espera pelo desconhecido para seu espírito/ alma, mas, como cada indivíduo, um fio ajustado e indispensável no tecido com o qual Deus teceu a eternidade. Cristãos procedem de linhagem  que inclui monarcas e escravos, sacerdotes, prostitutas e ladrões, que assim foram acolhidos por Deus sem que neles nada houvesse de belo ou benemérito,  todas as classes e etnias com a marca comum da graça redentora e regenedora que os conduziu por travessias e obstáculos para eles intransponíveis; maravilhas e milagres os acompanharam. Pelo cumprimento das promessas de Deus o sobrenatural se descortinou para eles. Os cristãos sobretudo, procedem de um Deus que se fez em semelhança de homem, rendeu-se à morte de cruz para infringir-lhe, morte em sua morada, desgraça e fracasso, ressuscitando em sua condição real de glória e esplendor.
                Não existe bom senso na conduta fria e descrente do cristão sendo ele parte deste processo histórico com vistas para a eternidade. É claro que momentos de abatimento e consternação são praticamente inevitáveis a todo homem nessa vida ainda limitada por contingências e inconstâncias, mas essas situações quando manifestas não podem imobilizá-lo ou anular a sua crença em Deus e em sua atuação presente, senão impedindo a provação, acompanhando-o e sustentando-o até a superação vitoriosa. Quando chamo atenção para o poder de influência e inspiração que as histórias, bíblicas ou não provocam em nós, quero resgatar a potencialidade por vezes adormecida e nos incitar à sonhos mais audaciosos e movimentos igualmente mais corajosos. Muitas vezes alimentamos nosso espírito com pouco mais que o bastante para a subsistência e, assim, nos colocamos à margem da nossa vocação e vítimas em potencial ao fracasso. No obstante, não quero alimentar espírito de alienação ou conduta irresponsável. Não existe promessa alguma de que voltaremos a repetir os feitos de um Moisés, um Elias ou, um Davi, mas, é certo que se confiarmos no Deus vivo como aqu'Ele que tem poder para tal e muito mais, se nos colocarmos rendidos e ao mesmo tempo de prontidão em suas mãos, Ele nos fará transcender o conformismo e a estagnação espiritual.  A mesma paixão e o envolvimento de nós mesmos lançados nas histórias dos grandes heróis da humanidade ou dos heróis míticos deveria ser percebida nos relatos dos grandes personagens bíblicos. Para um herói escravo como Spartacus, temos nas Escrituras um Moisés que conduziu um povo da escravidão à terra prometida; para um Júlio César construtor de um império romano continental, temos nas Escrituras um Davi que unificou e edificou um reino que prevaleceu frente aos grandes impérios em redor; para um Leônidas de Esparta que com sete mil homens, impôs derrota e escândalo ao mais poderoso exército de sua época com trezentos mil homens, encontramos nas Escrituras um grupo de doze humildes discípulos desarmados que assolou o maior  império que já existiu com uma mensagem e uma fé que foi determinante para seu declínio e a construção dos modernos estados.
                Como um exercício intelectual procure reconstruir mentalmente a mais fantástica história que você tem guardada na lembrança, seja ela relativa a um fato real ou uma ficção. Imagine-a em todos os seus aspectos com destaque para aquilo que ela produz de impacto e espanto em você. Depois, compare-a com as sobrenaturais histórias de heróis humanos narradas na Bíblia e honestamente verifique se algo estas devem a qualquer outra em paixão, vigor e inspiração. Se você pensa como eu, elas não nos faltam em nada que lhes seja louvável e de bom propósito. Em verdade, elas acrescentam um ingrediente particular e único, Elas são testemunhos reais que retratam uma essência manifesta que se transfere para todos que foram lavados pelo sangue do cordeiro. As histórias da Bíblia são muito mais que uma literatura superior, sublime,  mais que arte sacra, mas, por elas  extrapolarem a essa classificação, elas não podem sofrer de nós desprezo que algumas vezes lhe é  atribuído em favorecimento da literatura dita secular, o evento da inspiração divina concedida a seus autores humanos  para escrever a revelação do Altíssimo, não anulou os traços de humanidade e personalidade deles nelas impressos. Nela encontramos a nós mesmos em nossas fraquezas e possibilidades.  
                    
                  

sábado, 19 de setembro de 2015

Meditari







                 O anseio e o intuito desta seção é a publicação de pequenos textos, poesias e composições musicais e afins, de autoria de grandes nomes da fé cristã refletindo acerca de Deus, de sua revelação ao homem e o relacionamento entre ambos, e, o efeito gerado por esta relação. Em princípio, tudo aquilo que aqui for disponibilizado tem por objetivo oferecer-lhe o simples deleite com o conteúdo estético e de espiritualidade apresentado pelas mensagens. No entanto, como consequência natural e plenamente associada à reflexão provocada pelo texto, este espaço torna-se um ponto de partida para uma meditação pessoal que faça reverberar em sua mente e em seu coração a grandeza e a beleza insondável, e ao mesmo tempo tão presentes desse Deus.
                Para iniciar, abaixo apresentamos um belíssimo texto do monge e escritor alemão nascido em 1380 Thomas Von Kempen (Tomás de Kempis), autor dentre outros do clássico e leitura indispensável ao leitor cristão, Imitação de Cristo. Aqui o grande autor de literatura devocional nos descortina uma preciosa visão do papel de Cristo como consolador do crente.



           Minha alma, você só pode desfrutar o pleno consolo ou o perfeito deleite em Deus,
       o Consolador dos pobres e ajudador dos humildes. Espere um pouco, e terá abundância de todas as   coisas boas no céu. Se desejar as coisas do mundo em demasia, perderá aquelas que são eternas e celestiais. Você não pode satisfazer-se com nenhuma das coisas terrenas, porque não foi feito para desfrutá-las. 
Ainda que possua todas as coisas criadas, você não poderia ser feliz, porque sua plena felicidade está em Deus, que criou todas essas coisas. Essa felicidade (espiritual) não é do tipo que o mundo compreende. É do tipo que os servos fiéis de Cristo, as vezes, conseguem experimentar. É a presença do Senhor. 
Se você está triste, lembre-se que o conforto terreno é vão e passageiro. Entretanto, o conforto que vem de Deus é abençoado e verdadeiro.
O cristão verdadeiro carrega o consolador, Jesus, onde quer que vá, e diz-lhe: "Esteja comigo Jesus, em todos os lugares e a todo momento. Que este seja meu consolo: estar disposto a viver sem qualquer conforto humano. Que tua vontade e o julgamento justo de minha vida (por ti) sejam meu maior conforto".
Tomás de Kempis

        

    Em razão de tratar-se de uma seção com fins meditativos, os textos aqui postados, por vezes, refletirão em seu contexto compreensões doutrinárias distintas e que podem conflitar com o entendimento de alguns leitores. Portanto, cabe o esclarecimento de que o tema doutrina não é o foco desta seção. Oramos e desejamos que aqui você encontre então ecos da paz e da beleza que só o texto das Escrituras Sagradas inspirou nos filhos de Deus. No mesmo sentido, a data de disponibilização dos posts da coluna Meditari, se dará nos sábados para seu melhor proveito espiritual ao fim/início de cada semana. Deus nos abençoe.


quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Ressignificâncias 2




                 Alguma vez em sua vida, em culto público ou em  seus devocionais privados você dedicou a Deus oração de gratidão e louvor por qualquer espécie de tribulação ou provação pela qual tenha passado ou estivesse passando? Ainda que não tenha chegado a tal ponto, pelo menos reconheceu sincera e confiantemente em meio a solidão do sofrimento que a mesma situação correspondia a vontade soberana de Deus para sua vida, e, que por alguma razão ora oculta, aquilo seria o melhor, ou redundaria em um bem maior para você?
                 Bem improvável não?_ Mas, a Bíblia Sagrada está abundantemente carregada de exortações e lembretes de Deus que tendem a nos direcionar a  esse entendimento. Em todo o decorrer da narrativa sagrada ocorre sobre a vida dos mais diversos servos de Deus situações de sofrimento, privação e tragédia; a história posterior que nós conhecemos também mostra inúmeros casos de homens e mulheres que tiveram a vida associada a grandes aflições e flagelos e, não por motivações de caráter efêmero, mas, justamente por defenderem no mundo a causa do Evangelho de Deus. Entretanto, somos como que presos a ideia de  de que a bênção de Deus deve nos acompanhar constantemente a fim de nos preservar daquilo que julgamos não merecer e que é castigo devido aos ímpios. O livro do Eclesiastes que possui uma temática que pode se nos parecer incompreensível ou amarga, mostra que o mal, as coisas más, assim como o bem ou as coisas boas em se tratando dessa esfera de vida na qual ainda estamos ligados, podem suceder tanto aos justos quanto aos ímpios; o mundo em que vivemos é um "palco" onde os ímpios encarnam todo o seu vigor e potencialidades pelos quais dão prova do merecimento de serem condenáveis diante de Deus, enquanto para os justificados em Cristo, é uma "coxia" onde ensaiam até a ultima hora e aprendem acerca de seu verdadeiro papel perante a face de Deus. O mesmo livro tem por uma de suas principais funções, fazer que seus leitores compreendam que deve-se resistir a ideia da sabedoria humana confrontando-a com a sabedoria de Deus, e, buscar a sabedoria divina não como um fim em si mesma, mas, como um meio que glorifique a Ele e nos conduza ao seu encontro.
               Um episódio que mostra-nos um grande desvelar da temática do sofrimento e de como ele deve ser não só acolhido, mas honrado como algo que vem da mão do Altíssimo, propósito e vontade de Deus para nossas vidas pode ser encontrado no livro de Jó; quando depois de perder repentinamente todos os seus bens e filhos e, sendo ele tido com homem justo em toda a sociedade de sua época e no conceito do próprio Deus, ele se prostra com o rosto à terra e declara: "... saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei, o Senhor o deu , o Senhor o levou, louvado seja o nome do Senhor." Jó. 1. 21. A declaração de Jó com certeza está carregada de dor, ela não esconde a devastação de sua alma. Mas em tudo isso, diz a Bíblia, Jó não pecou e não culpou Deus de coisa alguma. Ou seja, Jó não afirma que Deus tem dolo algum em permitir ou mesmo determinar aquele flagelo sobre ele, nem aquilo é motivo para rebelar-se contra sua soberana vontade. A grande renovação de entendimento que a resposta de Jó nos traz é com certeza uma redefinição do conceito de bênção ou um alongamento dele, não somente como algo bom em seu fim imediato, mas, como algo até ora amargo com o fim ultimo de grande recompensa.O que acontece nos capítulos posteriores no desenrolar da história, é que Jó irá contender com Deus não como quem repudia por completo a sua sorte, mas, no sentido de trazer para si  uma resposta para tal trajetória e pelo menos pacificar seu coração. Jó não alcança essa resposta e, ainda que ao fim do livro receba de volta tudo o que lhe tinha sido tirado, e em porção dobrada, o patriarca cuja vida as vezes se confunde com o tema do sofrimento entende como sua maior lição, o fato de que ele como qualquer homem, não pode suportar ou assimilar as coisas concernentes ao conhecimento e conselho de Deus; tal tentativa será sempre esforço vão e fadado ao fracasso, mas, é certo que os planos de Deus para o seu povo são maravilhosos e ele, o seu povo, é objeto maior do amor do pai. 
             Para aqui concluir mas não esgotar o debate, a carta de Tiago, o irmão do Senhor, em seus versos iniciais prescreve: "Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança,. E a perseverança deve ter ação completa, Afim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem que falte a vocês coisa alguma." (Tg. 1. 2-4)_ Essas palavras continúo a afirmar, são difíceis de serem levadas a termo, difícil coisa é colocá-las em prática de maneira fiel e verdadeira conservando inabalável a esperança e fé, mas, elas devem provocar em nós o sentido e a prática da oração a Deus como alvo de nosso louvor e buscar evocar a sua permanente provisão de força espiritual sobre nós a fim de nos sustentar na caminhada mais dolorosa. Também a nossa oração deve ser sincera ao ponto de evocar a mão acalentadora de Deus para que até o momento do escape, sejamos capazes de prestar testemunho digno de Deus ao mundo e abençoarmos ao nosso irmão em semelhante condição. Não quero aqui "vender" uma ideia de super espiritualidade que não se abala nem sob a mais severa das penas, pois a  expressão digna da fé de alguém se desfaz quando ele argumenta com Deus declarando suas aflições e sua agonia, ele pode sim fazê-lo no sentido de buscar em Deus razão para o sofrer de um justo pois, isso lembra diante de Deus uma das mais poderosas realizações de seu filho Jesus em favor do homem; isso é uma declaração de fé enquanto remete o homem à justificação em Cristo, é certo que Deus agrada-se de ser louvado, mesmo que de forma não tão rigorosamente patente, mas, trazendo a tona uma sentença célebre do conhecido pastor John Piper: "Deus é mais glorificado em nós quando nos satisfazemos n'Ele".
               Em síntese, mesmo que não recebamos de Deus a melhor conclusão para algumas passagens de nossa vida aqui no mundo, pois, muitas vezes isso não ocorrerá, as lições que podem ser apreendidas e aprendidas por nós sempre nos tornarão pessoas melhores no mundo e cristãos melhores diante de Deus, mais completos, menos falíveis e mais produtivos no trato com as boas obras que Ele de antemão nos preparou  para que bem andássemos nelas.



Ilustração mostra o patriarca  Jó cercado por seus "amigos"


   

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Série Documentário #1- Perseguição, uma pedra preciosa na coroa da igreja de Cristo.



                 A perseguição é sem sombra de dúvidas, uma das marcas mais indeléveis da história da igreja cristã em todos os tempos. Desde a sua implementação no seio da comunidade judaica do Século I até os dias atuais a fé monoteísta no Deus triúno, Pai, Filho e Espírito Santo, atraiu de maneira direta ou indireta, para os seus adeptos e crentes alguma forma de resistência por parte do mundo no qual ela se insere e o qual ela deseja influenciar com sua cultura e cosmovisão cristocêntrica. O próprio Cristo crucificado em favor de sua igreja, exortou aos seus discípulos e preveniu-lhes acerca da perseguição (Mt. 5. 11, 12) que enfrentaríam eles e todos aqueles que professassem o seu nome e o confessassem como salvador. Como afirmou o historiador inglês professor da universidade de Harvard, "A história do cristianismo é a história de uma intervenção divina na história.." e nem todos os homens, em verdade só uma parcela deles, estão ou serão dotados para acolher esta intervenção de forma a contrariar seus instintos e anseios, e, submeter-se aos desígnios de um livro, ainda que a própria história deste livro seja a maior prova que o Deus nele descrito e manifesto seja um Deus real, vivo, soberano e permanentemente presente no mundo. A perseguição sofrida muito embora jamais a devamos desejar, deve ser compreendida como parte do nosso passado, matéria que pavimentou o caminho traçado por nossos irmãos e auxiliou o encorajamento de tantos outros ao enfrentamento contra os padrões do mundo.
                Uma das grandes e mais cruéis épocas de perseguição enfrentadas pela igreja cristã, ainda em seus primórdios, se deu por iniciativa do imperador romano Nero, quando no ano 64 atribuiu aos cristãos a culpa pelo grande incêndio em Roma, crime este, muito provavelmente provocado doentíamente por ele mesmo. O fato é que utilizando-se de fraude acusatória e mais interessado em uma espécie de limpeza étnica, Nero deflagrou ostensivo assédio aos cristãos durante seu período de governo como atestam historiadores de seu próprio tempo. Logo abaixo segue o relato do político e historiador Públio Cornélio Tácito 55 d.C-120 d.C,  um excerto de sua obra Os Anais que captura o ambiente e situação da época, além de sua crença na inocência dos cristãos:
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          " Mas os empenhos humanos, as liberalidades do imperador e os sacrifícios aos deuses não conseguiram apagar o escândalo e silenciar os rumores de ter sido ordenado o incêndio de Roma. Para se livrar de suspeitas, Nero culpou e castigou, com supremos refinamentos de crueldade, uma casta de homens detestados por suas abominações e vulgarmente chamados de cristãos. Cristo, do qual seu nome deriva, foi executado por disposição de Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério. Reprimida durante algum tempo, essa superstição perniciosa voltou a brotar, já não apenas na Judéia, seu berço, mas na própria Roma receptáculo de quanto sórdido e degradante produz qualquer recanto da terra. Tudo, em Roma encontra seguidores. De início, pois, foram presos todos os que se confessavam cristãos. Depois, uma multidão enorme foi condenada não por causa do incêndio, mas, acusada de ser o opróbrio do gênero humano. Acrescente-se que, uma vez condenados à morte, eles se tornavam objetos de diversão. Alguns costurados em peles de animais, expiravam despedaçados por cachorros. Outros morriam crucificados. Outros ainda eram transformados em tochas vivas para iluminar a noite. Para esses festejos, Nero abriu de par em par seus jardins, organizando espetáculos circenses em que ele mesmo aparecia misturado com o populacho ou, vestido de cocheiro, conduzia sua carruagem. Suscitou-se um sentimento de comiseração até  para com homens cujos delitos mereciam castigo exemplares, pois se pressentia que eram sacrificados não para o bem público, mas para satisfação da crueldade de um indivíduo."
                                                     * -Tácito, Annales, XV.44-  

                                                                    
Busto do imperador Nero

O historiador romano Tácito


















            



             Acerca do tema da perseguição contra a fé cristã voltaremos a melhor tratar em momento posterior, por enquanto com a exposição deste documento histórico desejo suscitar apenas uma reflexão em torno da potencialidade transformadora da igreja brasileira em um cenário de mundo que apesar de já mostrar formas veladas ou explícitas de restrição aos crentes, ainda deixa muito abertas veredas por onde podemos percorrer livres e influenciar o todo com o nosso testemunho, a nossa pregação e a intervenção soberana de Deus. _           " Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes,  nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor."- Rm. 8. 38, 39.
          * Fonte: Documentos da igreja cristã, H. Bettenson/ ASTE.

domingo, 13 de setembro de 2015

Você sabe...#3 A guerra santa



                          
O oráculo de Delfos

O papa urbano II conclama os fiéis à cruzada em 1095
                                     
Cruzados partem para o ataque contra os infiéis



             Entre todos os povos antigos, a guerra tinha ligação com a religião; ela era travada por ordem dos deuses, pelo menos com sua aprovação demonstrada por presságios; ela era acompanhada de sacrifícios, era conduzida com a ajuda dos deuses, que asseguravam a vitória e a quem se agradecia com a oferenda de uma parte do despojo.Toda guerra antiga é, pois, santa, no sentido amplo. Mais propriamente, os gregos chamaram "guerras santas",... àquelas que a antifictionía de Delfos travou contra aqueles de seus membros que tinham violado os direitos sagrados de Apolo. Mais estritamente ainda, a guerra santa do islã, a djihad, é o dever que incumbe a todo muçulmano de difundir sua fé pelas armas. 
              Esta última concepção da guerra santa é absolutamente estranha a Israel: ela é incompatível com a idéia do javismo como a religião particular e o bem próprio do povo eleito. Mas, precisamente por causa dessa relação essencial entre o povo e seu Deus, todas as instituições de Israel foram revestidas de um caráter sagrado, tanto a guerra como a realeza e a legislação. Isto não significa que a guerra seja uma guerra de religião, esse aspecto só aparece muito mais tarde, sob os macabeus; Israel não combate por sua fé, ele combate por sua existência. Isto significa que a guerra é uma ação sagrada, com sua ideologia e ritos próprios, que a especificam, diferentemente das outras guerras antigas onde o aspecto religioso não era senão acessório. Tal foi a concepção primitiva em Israel, mas, como para a realeza, esse caráter sagrado desapareceu e a guerra foi "profanada". Porém, ela manteve por muito tempo uma marca religiosa e o ideal antigo sobreviveu, modificando-se, ou foi renovado em certos meios em certas épocas.*
         Nota complementar; Para verificar algumas ilustrações que refletem certos aspectos da idéia e da compreensão gregas de guerra santa, podemos recorrer a algumas produções cinematográficas tais como 300, direção de Zack Snyder, e, Troy (Tróia), direção de Wolfgang Petersen. Para representações posteriores que mostram as guerras ditas santas, que foram travadas entre cristãos e muçulmanos, o filme "Kingdom of heaven" (Cruzada), do diretor Ridley Scott, é uma boa pedida e fonte de entretenimento.    
               *Fonte: Instituições de Israel no antigo testamento, Roland de Vaux. Edições vida nova.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O zelo e a eficiência



                 Certa vez, vendo de relance um documentário televisivo que lembrava os 70 anos do lançamento das bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, cativou-me a atenção as falas de 2 militares envolvidos nas missões de lançamento das respectivas ogivas, sobretudo, no que elas destacavam não só a completa ausência de de emoção ou remorso pelas vidas das vítimas inocentes, como também evidenciavam até então, uma inabalável e celebrada subordinação ao comando e às ordens que lhes foram delegadas. Pontualmente, os idosos e inativos militares ressaltavam que aquilo que fizeram, foi o exitoso e efetivo cumprimento dos papéis que lhes foram confiados. 
                 Não cabe aqui debater ou mesmo questionar a conduta, a hierarquia militar e as leis e as ações demandadas por uma guerra. Mas, é no mínimo desconcertante, perceber o quanto o homem está, não importa o tempo que passe, envolvido com a idéia da eficiência prática, e, mais propenso a descrever os pontos altos de sua biografia muito mais pontuado pelos seus feitos mecânicos, do que pelos seus feitos humanos e intencionais; não importam as consequências decorrentes de uma ação humanisticamente negligente, irresponsável ou desproporcional, diante da "necessidade" impositiva de cumprir metas, de responder positivamente àqueles em posição de comando. Ou, parafraseando um sucesso recente do cinema, "missão dada é missão cumprida". Este fenômeno da primazia do trabalho ou da produtividade do trabalho por sobre a própria personalidade do indivíduo, ainda que tendência dominante, já é prática antiga, que remonta à revolução industrial no Século XVIII, e não mais retroagirá, tendo em vista o crescimento populacional e todas necessidades que advêm do convívio em sociedade. Um maior problema pode ser identificado quando essa quase lei celebrada, onde os fins justificam os meios, extrapola o ambiente das relações mercantis e invade o lugar das relações necessariamente orgânicas_ meios que exigem a interação pessoal e vínculos de afeição_ Quando isso ocorre, um efeito colateral devastador que outrora fora particular do mundo dos negócios vem de encontro ao centro das emoções, impedindo-as de ver uns nos outros igual dignidade e sentido; os homens se tornam frios, compulsivamente competitivos e descrentes na humanidade.
                Para ilustrar tragicamente essa visão de sociedade, pensemos no microcosmo dos cristãos. Tragamos à tona o modelo de evangelização pragmático atualmente promovido por grande maioria das igrejas atuantes no Brasil; modelo este, que está mais voltado para o angariamento de números ilustrativos e geradores de receita, do que no resgate de pecadores em completa servidão mortal. Os números levantados por pesquisas que demonstram um crescente volume da população evangélica no país, por exemplo, são acompanhados por números que mostram aumento de divórcios, inadimplência, corrupção e tantos outros índices desabonadores nos quais a ação da igreja tem contribuído de alguma forma, direta ou indireta. Mas, onde especificamente reside a origem dessa responsabilidade da igreja como negligente pastoral e agente desumanizadora ao sabor do mundo?_ É na igreja unicamente onde os desajustados do mundo devem ser confrontados com seus pecados, denunciados para si mesmos à sua condição de mortos espiritualmente, onde devem conhecer Jesus que os leva à confissão de suas culpas e arrependimento aos pés da cruz do Cristo e, por fim, receber a instrução bíblica de renovação da mente. Também é na igreja, onde esses indivíduos soberanamente eleitos por Deus do meio dos perdidos devem formar a congregação dos santos e justos. Entretanto, o que deveria ser inegociável e fundamental dentro dessa mesma igreja, tem sido abortado de sua ação missionária e evangelística. A igreja tem sua culpa original quando decide agir como uma instituição do mundo e anula o papel do seu cabeça e redentor.  
               A igreja é desumanizadora quando "lê" o  homem do mundo como alguém  a ser cooptado a preço de uma proposta terapêutica contra as pressões cotidianas e de uma massagem no ego; é desumanizadora quando proclama um "plano de salvação" que salva pessoas umas das outras e não da condenação que reside dentro de cada um, um plano que mais se assemelha a um título de capitalização. A igreja é ainda desumanizadora, quando seus líderes agem pessoalmente e estimulam nos outros o cumprimento de metas evangelísticas com tons de legalismo e pressão psicológica para se apresentar ou um Evangelho de placebo, ou um modelo egoísta de testemunho que visa lançar holofotes sobre pessoas e esconder a glória de Cristo; que leva pecadores a destacarem apenas mudanças de comportamento pessoal e abandono de vícios  químicos e outros, como se a idoneidade moral ou respeito pelos outros e por si mesmos fosse exclusividade de religiosos. é chocante ver pecadores contumazes que ignoram ou rejeitam por completo sua condição de culpa serem admitidos ao seio da comunidade dos santos sem constrangimento ou censura. O pecado é a inegociável consciência necessária de culpa do indivíduo diante de Deus, escondê-la  ou diminuir os seus efeitos sobre o homem é tarefa que retorna-nos à sedução enganosa de Satanás no Éden. 
               A ação missionária da igreja não pode prescindir do contato, da interação pessoa a pessoa e do investimento de afeições e tempo de uns pelos outros. O antídoto contra a desumanização das pessoas no tempo presente, é a simples manutenção_ não que seja de fato simples levá-la a termo_das relações interpessoais como exceção à regra dominante do mundo. Mas, para que isso possa ganhar nossas vidas, o ministério da igreja precisa ser o do Evangelho autêntico, que molda pessoas à imagem de seu redentor e assim, as torna mutualmente confiáveis e gestadoras de mais partilha em vez de compartimentação. O Evangelho autêntico é e deve ser a força motriz que anima a igreja como um todo, que refreie as vaidades de uma liderança que cerceia as liberdades e o espírito de repartição das decisões e, o diálogo sincero com seus liderados; Evangelho que norteie a submissão saudável aos pastores da igreja como herdeiros da tradição apostólica que o próprio Senhor semeou. Para que isso aconteça, conclui-se que devemos fazer a escolha que privilegíe o zelo pelas Escrituras em detrimento do modelo de produtividade e eficiência a qualquer custo. Enquanto envolvidos nesse cenário, cedermos a pressões do tipo, "seja um ganhador de almas campeão", estaremos sendo mais fiéis aos dítames do mundo do que aos da Palavra de Deus e mais inflando nossos egos, do que sendo instrumentos do Espírito.  

 


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Você sabe...#2 As cidades de refúgio.


 

                  Eram lugares de asilo mencionados principalmente em Nm. 35.9_34 e Js.20. 1-9 (onde são chamadas por seus nomes). Também são mencionadas em Nm. 35.6; Js. 21.13, 27, 32,38; 1Cr. 6. 57, 67. Por estas referências parece claro que ficavam entre cidades dos levitas. Dt. 4. 41-43; 19. 1-13 tratam da instituição indicada por esse nome (cf. Êx. 21. 12-14). 
                 Na vida pública de Israel devia ser aplicada a lei da retribuição a qual , além disso, é especificada na lei de talião (v. Êx. 21. 23-25 etc.) que se aplicava particularmente aos casos de derramamento de sangue (v. Gn. 9. 5s; ÊX. 21. 12; Lv. 24. 17; etc.; cf. também Dt. 21. 1-9. No antigo Israel pelo menos,  o dever de punir o assassino era responsabilidade do go'el, ou seja, parente masculino mais próximo da vítima. Todavia, era feita a distinção entre o homicídio culposo e o involuntário*. O assassino devia ser morto, enquanto que o homicida involuntário poderia encontrar asilo em uma das cidades de refúgio. Pode-se dizer que a instituição das cidades de refúgio serviu principalmente para impedir os excessos que poderíam desenvolver-se daquilo que usualmente é chamado de "inimizades de sangue".
                  No "livro da aliança", a mais antiga coleção de leis de Israel, já havia certa estipulação sobre essa questão (ÊX. 21. 12-14). Talvez possamos descrever a tendência dessa regulamentação como segue. Israel conhecia a prática antiga, que também prevalecia entre outras nações, de considerar o altar ou o santuário como um asilo. Ali é estipulado  que o assassino culposo não gozaria de asilo perto do altar, ainda que o homicida involuntário pudesse fazê-lo. Porém, o altar poderia ficar a grande distância; e, além disso, não podia ficar permanentemente próximo ao altar, no santuário. Por isso, o Senhor anunciou que faria outras provisões sobre a questão. A curiosa expressão 'Deus permitiu caísse em suas mãos", (Êx. 21. 13) tem sido interpretada com o sentido que o homicida involuntário é um instrumento de Deus, sendo apenas natural que Deus providencie a sua proteção. Exemplos do altar como asilo em Israel, ocorrem em 1Rs. 1.50-53; 2. 28-34, enquanto expressões tais como aquelas usadas em Sl. 27. 4-6; 61. 4 e Ob. 17, mostram que essa prática era bem conhecida em Israel....
                  * Fazer aqui, uma leitura  distintiva da legislação penal brasileira.
                  **Fonte: o novo dicionário da Bíblia, org. J. D. Douglas edição revisada. Edições vida nova
                      Fonte imagem: Wikipedia                   
                   Nota complementar: São estas  as cidades de refúgio em Israel segundo o texto bíblico de Js. 20. 7 e 8: "Designaram, pois, solenemente, Quedes, na  Galiléia, na região montanhosa de Naftali; Siquém, na região montanhosa de Efraim, e Quiriate-arba, ou seja, Hebrom, na região montanhosa de Judá. Dalém do Jordão, na altura de Jericó, para o oriente , designaram Bezer, no deserto, Ramote, em Gileade, da tribo de Gade; e Golã, em Basã, da tribo de Manassés."

sábado, 5 de setembro de 2015

Seu amor vem de onde?


                Por que você ama seu cônjuge?  Por que você ama aquele grupo formado pelos seu amigos mais íntimos? Por que você ama seu bichinho de estimação ou, ainda, por que nutre o mesmo sentimento de afeição por seus objetos colecionáveis, sejam eles livros, brinquedos, peças de decoração ou outros tantos??? Por que afinal, você alimenta um quase animal e selvagem sentimento de necessidade de proteção e isolamento do meio, por sobre tudo e por sobre todos que são abarcados por seus braços e  de alguma forma separados da influência e da  "contaminação alheia"?_ Todas estas questões podem extrair daquele que é inquirido uma grande variedade de respostas autojustificáveis e que merecem o louvor dos outros porque toda e qualquer resposta acerca do amor, em algum sentido, é uma resposta de amor.
                Se nos depararmos com a reflexão proposta por Jonathan Edwards em sua magnífica obra Charity and its fruits, um estudo sobre o amor em 1Coríntios 13 recentemente traduzido e publicado no Brasil, talvez seremos surpreendidos e abalados em nossas impressões e convicções.  Edwards, o mais brilhante e um dos mais proeminentes teólogos já nascido nos EUA vai reunir todas as nossas expressões de sentimento e resumir a nossa própria definição de amor como um sentimento fundamentado e baseado no amor próprio e no egoísmo. O amor que exercitamos e que até incentivamos nos outros só nos é justificável ou válido, porque atende e semeia futuras respostas às nossas necessidades pessoais de receber de volta aquilo que atribuímos ou doamos aos outros. Dessa forma, pensando a partir de Edwards, a resposta apresentada à todas as questões que inicialmente propomos aqui, ganha um novo  e chocante viés que talvez até relutemos em aceitar, mas, que é a mais condizente com a nossa natureza decaída desde Adão e que não se altera em imediato necessariamente com o novo nascimento.
             Amamos família, amigos, animais de estimação e objetos, porque eles nos permitem a sensação de pertencimento; porque por sobre eles, podemos lançar a noção de propriedade que se evidencia na sentença pronominal meu (minha); porque deles extraímos o fruto de nossas expectativas amorosas, ou seja, amamos para ser por eles amados de volta. O ser humano habita um nicho particular entre toda a restante criação divina e o próprio Deus. Julgamo-nos e somos de fato, superiores a quaisquer outros seres, o próprio Deus assim afirma, mas, julgamo-nos e não somos ou possuímos o mesmo tecido de sentimentos que o Criador unicamente comporta. Ainda que criados à Sua imagem e conforme a Sua semelhança, a desgraça do pecado nos afetou de forma avassaladora e definitiva que só o amor singular de Deus foi capaz de providenciar escape da condenação e prover caminho de restauração de nossa natureza. O amor divino, este sim, é santo e livre de condicionais, uma vez que nós mesmos provamos do seu amor a despeito de quem somos e do que apresentamos. Talvez devamos  nos auto-examinarmos sem censura ou constrangimento externo, num exercício de confrontação de nós mesmos e de meditação que envolva apenas o Espírito em nós invocado em oração e súplica, a fim  de crescermos de fato como cristãos os quais professamos ser, mas, que negamos ou subjugamos por nossas ações. Um dos maiores males que assolam ao pensamento do Homem, seja ele religioso ou não, é o elevado conceito de si mesmo, a protuberante autoprojeção de sua imagem. Deve causar em nós escândalo e alerta, se somos capazes de amar a humanidade em nossas convicções, mas, somos ineptos para amar o próximo que reside ao lado. Necessitamos vitalmente aprender do amor divino disposto na Bíblia e abundante no relacionamento meditativo com Deus que dispomos por meio da oração. A história da humanidade é pródiga de exemplos de homens e mulheres que depois de serem tomados em vida para o serviço de Deus dedicaram seu tempo e sacrifício em favor dos outros sem lançar sobre eles quaisquer expectativas que não fossem o louvor da glória de Deus.Todos os apóstolos e discípulos de Cristo que ao lançarem as bases fundadoras da igreja, o corpo de Cristo, foram o instrumento da mão de Deus na Terra; Todos os mártires da igreja que com seu sangue derramado testemunharam do amor de Deus e ofereceram força e suporte espiritual aos perseguidos de todas as épocas; todos aqueles que sofreram perseguição, encarceramento e tortura em favor de que a Bíblia, a Palavra de Deus, chegasse às mãos de qualquer pessoa, e tantos outros exemplos. 
             Não que esteja aqui sendo proposto pelos ricos exemplos de outros santos de Deus ou imposto para nós uma vida  de condições semelhantes, mas, eles devem nos constranger em nossas mais simples formas cotidianas de vida  a sermos doadores que não esperam recompensa, seja ela para agora ou para o porvir, pois aquele que visa o galardão de Deus pode incorrer na culpa de considerar Deus como devedor seu. Além do mais, procure lembrar de alguma ocasião em que você se sentiu constrangido a fazer o bem a alguém e de fato o fez. Sem dúvida, a sensação que veio sobre você em sequência foi boa e você foi capaz de dizer, "melhor coisa é dar do que receber". Não se surpreenda você fez isso com motivações, ainda que escondidas, que continham sentimentos egoístas de receber algo em troca depois. No momento em que entretanto, você passar a fazer isso de maneira que seus sentidos consigam capturar apenas a necessidade dos outros e visualizar como objetivo o caminho que Deus certamente lhe propõe naquele instante, certamente você terá encontrado a expressão  do amor de Deus designada para você, as boas obras anteriormente preparadas à sua vida a fim de que você as execute.__"Aquele que afirma que permanece n'Ele, deve andar como Ele andou" 1João 2.6.   

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Do livro da criação

                Todo pecado é para Deus um ato de rebeldia do Ser humano,
                 a rejeição do convívio e da harmonia pelo Caminho;                                                                 
                 ele representa o fracasso do Homem em manter aliança,                                                           
                 um relacionamento de afeição recíproca com o criador.

                 A não resposta da criatura ao amor inicialmente doado por Deus,
                 entretanto, a permanente obstinação do gênero humano
                 ainda que arrefeça a expressão do amor de Deus no homem,
                 e, impute-lhe dolorosas consequências,
                 não extingue nele o brilho da misericórdia do Altíssimo.

                 Tão grandes e graves possam ser as ações deliberadas de maldade  
                 do Homem sobre seus semelhantes ou sobre si mesmo
                 elas não lhe encobrem a face paterna de Deus
                 e, se, gestos nobres ou fagulha de bondade no Homem ainda se encontre,
                 elas reproduzem a perseverança santa e indelével
                 do amor de Deus sobre sua criação.