domingo, 28 de fevereiro de 2016

Um breviário de 'O Regresso' #alerta de spoiler***

               

Um extrato breve e subliminar reflexão a partir de 'The Revenant', 'O Regressso', o filme.


                      Acima imagens do filme 'O Regresso'. Na última delas, de cima para baixo, uma junção do personagem histórico retratado e do ator (Leonardo Di Caprio) que o protagoniza.







                         Quando a morte é escape do sofrimento
                          e a vida cobra mais da alma
                          do que a linha média das esperanças,
                          qual força mais motiva à perseverança dos instintos humanos?

                          O desejo de prevalecer e impor-se sobre o fracasso,
                          ou, o desejo por vingança travestido de legalidade?
                        _ Sem dúvida, muitas manifestações e volições subterrâneas
                          conduzem o homem em busca de descanso.
                          
                          Talvez a vingança, o fascínio por ela
                          seja como um ímpeto maior e dominante.
                          Mas, é certo que não há força ou domínio superior
                          à liberdade de consciência, e,
                          em face dela, o revide iminente
                          perde todo galardão e qualquer vislumbre de satisfação
                          quando o Deus que até então o conduzira
                          mostra sua face e sua justiça.
                       


                 The revenant, de Alejandro González Iñarritu, com Leonardo Di Caprio e Tom Hardy, faroeste, aventura, Fox filmes.


sábado, 27 de fevereiro de 2016

A videira verdadeira

            

Leitura do Evangelho segundo João 15. 1-17.


                        " Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que dê mais fruto ainda. Vocês já estão limpos pela palavra que tenho falado. Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês. Nenhum ramo pode dá fruto por si mesmo se não permanecer na videira. Vocês também não podem dar fruto se não permanecerem em mim.
                          "Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados. Se vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e será concedido. Meu pai é glorificado pelo fato de vocês darem muito fruto, e assim serão meus discípulos. ______                         " Como o Pai me amou, assim eu os amei; permaneçam no meu amor. Se vocês obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu Pai e em seu amor permaneço. Tenho dito estas palavras para que a minha alegria esteja em vocês e a alegria de vocês seja completa. O meu mandamento é este: Amem-se uns aos outros como eu os amei. Ninguém tem maior amor do que aqu'Ele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos, se fizerem o que Eu ordeno. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu Senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai Eu tornei conhecido de vocês. Vocês não me escolheram, mas Eu os escolhi, para irem e darem fruto, fruto que permaneça, a fim de que o Pai conceda a vocês o que pedirem em meu nome. Este é o meu mandamento: Amem-se uns aos outros.






                      O Antigo Testamento muitas vezes utiliza o vocábulo "videira" para referir-se metaforicamente a Israel e seu papel na eleição de Deus como a via ou forma de pertencimento ao povo de propriedade exclusiva do próprio Deus e a manifestação visível da glória de Deus em meio as nações; pertencer a Israel seria pertencer ao povo escolhido e com quem Deus fez a aliança onde Ele incondicional e amorosamente ofereceria a proteção, a provisão e a direção espiritual e histórica. Entretanto, é quando consideramos o percurso histórico de Israel e sua incapacidade de observar a aliança e produzir frutos sadios, também percebemos o seu fracasso como a videira plantada e cultivada pelo Senhor; Israel quase sempre respondeu com infidelidade e rebeldia ao amor de Deus. O eco cada vez mais presente de palavras de Juízo divino parece ser o anúncio da ruína iminente e definitiva sobre a nação, mas, é nesse contexto de desesperança, de queda ante os impérios invasores e de corrupção abundante por parte das autoridades remanescentes que Jesus surge e toma para si o 'Eu Sou' proclamando-se como " a videira verdadeira". Um texto específico que conecta videira e Jesus Cristo e já no Antigo Testamento preconizava essa tomada de autoridade e cumprimento das expectativas messiânicas no filho de Deus é o Salmo 80: 
"Restaura-nos, ó  Deus dos Exércitos;  
Faze-nos resplandecer sobre nós o teu rosto, para que sejamos salvos.
Do Egito trouxeste uma videira; expulsaste as nações e e a plantaste. 
Limpaste o terreno, ela lançou raízes e encheu a terra. 
Os montes foram cobertos pela sua sombra, e os mais altos cedros, pelos seus ramos. 
Seus ramos se estenderam até o Mar, e os seus brotos, até o Rio.
Por que derrubaste as suas cercas, permitindo que todos os que passam apanhem as suas uvas?
Javalis da floresta a devastam e as criaturas do campo dela se alimentam. 
Volta-te para nós, ó Deus dos Exércitos! Dos altos céus olha e vê! Toma conta desta videira,
 da raiz que a tua mão direita plantou, do filho [tronco/ramo] que para ti fizeste crescer!
Tua videira foi derrubada; como lixo foi consumida pelo fogo. Pela tua repreensão perece o teu povo!
Repouse à tua mão direita, o filho do homem que para ti fizeste crescer.
Então não nos desviaremos de ti; vivifica-nos, e invocaremos o teu nome. 
Restaura-nos, ó Senhor, Deus dos Exércitos; faze resplandecer sobre nós o teu rosto, para que sejamos salvos."
                       Uma reflexão honesta pode explicar o porque de um povo a quem Deus escolhera se revelar e tomar para si, que ouvira as suas palavras e seus conselhos veio a cair em desgraça tantas vezes e jamais fora capaz de responder com bons frutos ao amor primordial de Deus. O homem natural não consegue produzir por si mesmo, nada que sua natureza caída perdera ou encobrira. Uma vez que a iniciativa de Deus de trazer de volta o homem que um dia preferira rejeitá-lo colocou agora em meio aos dois uma aliança embasada no cumprimento de estatutos e convenções, e estas por mais que sejam benéficas ao homem e leves no cumprir, não tardará a traição de uma das partes, logo elas se deparam por iniciativa humana com artimanhas escapistas, dureza de coração e rejeição; o homem natural não consegue ser duradouramente fiel nem a si mesmo quanto mais àquele que sempre o amou e continuará amando. É tragicamente irônico que o amor fiel tenha misteriosamente produzido como resposta a infidelidade.
                   Cristo ao contrário, é a 'videira verdadeira' porque os que n'Ele creem já lhes os são conduzidos por Deus, e o Espírito Santo que sela o batismo baseado no fundamento do credo sustenta e alimenta a fé do crente, que se fosse condicionada à autonomia do homem, tanto no passado como no presente, esta não vingaria, não produziria nada além de frutos amargos ou apodrecidos, cardos e espinhos; Cristo é a videira porque suas palavras são como o mais fértil húmus que soergue do sepulcro aqueles que mortos em delitos e pecados contra Deus são triturados em sua autossuficiência e seu desejo de emancipação da soberania do Criador iniciados em Adão, enxertados na videira/Cristo recebem a nutrição  necessária e a capacidade de produzir frutos abundantes. Permanecer ligado à videira/Cristo é acolher e aplicar-se a exercitar os mais perfeitos afetos do Filho; é atar o coração a um irresistível sentimento de querer fazer atos de louvor ao nome de Deus e dar provas de satisfação n'Ele.
                   Ao pronunciar o discurso e as exortações dos primeiros 17 versículos do capítulo 15 do Evangelho de João, Jesus não quer somente prevenir os seus discípulos, a sua audiência, e conduzi-los por uma reflexão que os amedronte em face da possibilidade do juízo. Jesus está aqui tratando também uma questão patente e emergente, dentre seus discípulos há um que é um ramo ainda não limpo, não podado, um ramo infrutífero que compromete a uniformidade produtiva da videira, Judas. Jesus aqui prepara seus discípulos para uma questão a ser tratada com emergência, a necessidade de permanente vigilância da igreja ora embrionária em permanecer ligada à videira/ Cristo e à compreensão do fato de que Deus, o agricultor, é aquele que faz a poda e limpa a igreja, os ramos visíveis da Videira, e, cabe à igreja atender a vontade de Deus e limitar-se a agir dentro dela. Não se pode entretanto, negar o fato de que em casos como o de Judas, as palavras de Jesus têm a intenção de tocar-lhe o coração e demovê-lo de sua decisão corrupta. A dificuldade de entendermos a simultaneidade da soberania de Deus e a responsabilidade humana nos encobre por vezes a chance de ver o amor na ordem dos propósitos de Deus, mas é certo que Ele enviou seu filho, o mais puro dos homens para ser o mestre, o mentor de Judas, logo, jamais o mesmo Judas poderia argumentar desconhecer a caridade e o amor ao próximo. 
                     Mas uma questão fundamental surge impositivamente do texto do Evangelho quando pensamos sobre a videira e Cristo como a sua perfeita consumação, quais são os frutos que o crente produzirá se ligado à videira verdadeira?__ De uma coisa pode-se ter certeza, conforme João Calvino pontua acerca deste ponto das Escrituras,"somos, por natureza, estéreis e áridos, a não ser que sejamos enxertados em Cristo, e extraiamos dele um novo poder, o qual não procede de nós mesmos"*_ somente ligados, enxertados em Cristo,  os crentes podem dar frutos, e o próprio Cristo afirma no e o Evangelho de Mateus expõe, "a árvore boa  não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons", ao contrário, separado de Cristo  o homem apenas reflete a natureza própria da queda. Os frutos que podem ser esperados da união do crente com Cristo começarão a ser percebidos através da obediência e da permanente presença do amor de Cristo nos seus atos visíveis e invisíveis. O próprio Jesus Cristo deixa explícito que a sua própria obediência ao Pai assegura-lhe a permanência no amor d'Ele e que a obediência tem seu ponto culminante ao manifestarem também os seus discípulos, ontem e hoje, por todos seus semelhantes; esse amor é um fruto primordial e fundamental que agrada e atrai a amizade do Filho e agrada Deus pai.      
                      O teólogo D. A. Carson* ensina: "A função do pai, o agricultor celestial, é dupla. Considerando a ordem inversa: Primeiro, Ele poda ou apara todo [ramo] que não dá fruto. Nenhum ramo produtivo é poupado. Sem dúvida o propósito do pai é amoroso- é assim para que cada ramo dê mais fruto ainda- porém o procedimento pode ser doloroso. A ideia não é diferente da que foi apresentada em Hebreus 12. 4-11, mas está arranjada em termos de outro modelo: o Senhor disciplina os seus da forma que um pai disciplina seus filhos. Tudo isso é "para o nosso bem, para que participemos da sua santidade "Hb. 12.10". Segundo, o Pai (Jesus diz) corta todo ramo que, 'estando em mim, não dá fruto', isto é, Ele livra-se da madeira morta para que os ramos vivos e produtivos possam ser claramente distinguidos deles, e possam ter mais espaço para crescer..._____ Muitas vezes, crentes que são reconhecidos como férteis e produtivos passam pelo que comumente se chama de "noite escura da alma" e são como que moídos por transes físicos ou provas espirituais  nesse processo de poda e disciplina, mas deve-se evitar quaisquer qualificações imediatas  disso como a existência de graves pecados contra as demandas presentes da igreja, isso até pode acontecer, mas, não é padrão de ação de Deus sobre o crente. As vezes, como o processo de poda e limpeza que Deus  realiza visa tornar o crente mais parecido com Jesus, é um processo que destina-se a promover maior santificação pessoal - A disciplina recai também sobre dificuldades acerca da progressão da fé na Palavra e em sua revelação, sobre vaidades, sobre pensamentos autônomos e outros semelhantes que podem paralisar o desenvolvimento da santificação.
                        Outro fruto que se pode esperar dos crentes segundo a ligação permanente deles com Cristo está indicado no versículo 7 e refere-se ao que eles podem e certamente pedirão a Deus. É evidente que o Senhor não concederá aquilo que lhe for pedido para o louvor e as demandas egoístas do homem, também é certo que tais pedidos não constituirão, ou não  deveríam constituir o padrão daquilo que será requisitado junto a Deus (árvore boa dá bons frutos), uma vez que os crentes ligados à videira já passaram por estágios de regeneração e renovação das suas mentes. As petições que o Evangelho assegura com fluidez natural são simultaneamente louváveis a Deus , santificadoras e edificadoras dos crentes tanto como ramos individuais como igreja. Logo, cabe ao crente sempre que intentar buscar a mercê de Deus, procurar antes  saber se este favor, se esta graça exalta a Deus em princípio. Mais adiante no tempo, o apóstolo Paulo, conforme lê-se na epístola aos efésios, completa: "...Porque outrora vocês eram trevas, mas agora são luz no Senhor. Vivam como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste em toda bondade, justiça e verdade", v.C. 5. 8,9.
                        Atualmente todavia, muitas igrejas fazem uma interpretação de via única ao proclamar o discurso em que Jesus Cristo se compara a videira a plenos pulmões e que o intuito d'Ele é exclusivamente enviara seus discípulos ao mundo, para fazer novos discípulos. Isto não está equivocado como conceito, mas, a aplicação moderna deste texto é a do envio imediato dos novos membros da igreja para fazer um evangelismo mais panfletário e emergente, sem que estejam já preparados para a missão de apresentar Cristo aos ímpios, pois Cristo está muito além de um mero artigo de fé que se possa dispor como amuleto, e a igreja não é um ajuntamento de aderentes a um sistema filosófico alternativo para onde concorrem os que não tem expectativa. Claro que o fazer discípulos não exclui o evangelismo como se pratica hoje, mas, uma leitura atenta nas passagens dos Evangelhos onde Jesus se relaciona com os seus discípulos identificará a necessidade do acompanhamento pessoal, do discipulado como passos posteriores ao anúncio da Palavra. Então, o crente já experimentado deve estar ciente e pronto para abdicar de tempo para servir a Cristo, ensinando aos ímpios e amando-os (fruto do amor) como ao seu Senhor, pois tal ação visa aumentar e prolongar os ramos frutíferos da videira, como outrora acontecera com ele por intermédio da abnegação e amor de outrem. 
                        O evangelismo tem sim suas semelhanças com o chamado inicial de Jesus aos seus discípulos, mas, apenas uma igreja que tenha de fato sido enxertada na videira verdadeira e que ramo por ramo receba e ofereça dos nutrientes próprios da videira/Cristo será de fato frutífera além do aspecto aparente. De nada adianta impor medo e cobrar crentes imaturos e desnutridos para que deem frutos no evangelismo ('almas para Cristo') por mero nominalismo__ Tais motivações têm mais inchado a igreja e tornado-a um celeiro de hipócritas.__ A frutificação que provem da videira é a única que produz discípulos dignos de apresentá-la aos perdidos, e assim gerar novos discípulos. A questão é simples no fim das contas, ou Cristo ou nada para transformar o homem, e a transformação começa por acabar com a aridez e infertilidade do 'eu' sem Ele, para depois buscar o próximo.



*Evangelho segundo João, livro 2/ João Calvino, Editora Fiel_ fonte bibliográfica de suporte.
**Comentário de João/ D. A. Carson, Shedd publicações_ fonte bibliográfica de suporte.