sábado, 31 de outubro de 2015

Meditari











Uma gravura retratando Susanna Wesley a mãe do fundador da Igreja Metodista



                 Susanna Wesley (nascida  Susanna Annesley em 20 de Janeiro de 1669, na pequena cidade de Epworth, Inglaterra) pode ser chamada com toda a justiça "a mãe do Wesleyanismo" ou "mãe" da Igreja Metodista em virtude de ter sido ela não somente o ventre que trouxe à luz John Wesley (o pai e fundador do metodismo) e seu irmão Charles, mas, sobretudo, pelo fato de por seu exemplo de mulher e educadora virtuosa, ofereceu aos seus filhos desde cedo a mais fiel instrução nas Escrituras Sagradas por compreender que o papel fundamental e ministério da mulher ser o de criar filhos e lares para Deus.
                 Filha de um lar puritano e tendo sido a caçula de uma prole de 25 filhos, Susanna aprendeu prematuramente, tantas vezes presenciando os exemplos extraídos do cotidiano familiar, o valor e a retidão da santidade cristã no testemunho pessoal e de uma vida cristã integral e natural, que começa a partir de "nossa congregação primeira", os nossos lares. Ao casar-se com um ministro da igreja anglicana, experimentou a confusa relação entre disciplina e rispidez que o marido aplicava na educação dos filhos. Em resposta a esses excessos lançados sobre os filhos, Susanna redobrou-lhes o amor e o cuidado vigilante para que os mesmos não caíssem em falha junto ao pai e sofressem injusta punição. É uma contribuição pessoal de Susanna fundamental para o êxito inicial do ministério de seu filho John, a instituição e o incentivo aos cultos domésticos. Foi como uma atividade ministerial paralela ao ministério pastoral do marido conduzida com muito amor e zelo por Susanna desde sempre, a dedicação de seu lar para congregar mulheres em torno da Palavra de Deus. Enfrentou ela, resistências e censura por parte da denominação de seu marido Samuel, que via com maus olhos e um perigo institucional o crescente número de pessoas arrebatadas pela pregação de Susanna, mesmo que jamais ela tenha de fato realizado um sermão ou pregação de acordo com o método e o padrão pastoral próprios do ministério masculino. Em tudo isso, Susanna não se deixou abater e prevaleceu sobre as discórdias e com a aprovação do marido prosseguiu em seu sacro ofício.
               Mais tarde, John Wesley fez uso abundante das lições de perseverança, paciência e vigilante postura de santidade para levar a mensagem do Evangelho e compartilhar o amor de Deus que ele aprendera ser inteiro e real somente pela evangelização. À nascente Igreja metodista que ele iniciou e estruturou durante toda sua vida, Wesley levou o exemplo de crescimento através dos cultos domésticos e, quando nenhum lugar podia mais comportar o ajuntamento de fiéis reunidos em Cristo, ele os reunia em áreas abertas, bosques e, a Céu aberto, fazia o uso de sua altissonante voz para  proclamar a Verdade. Mas, é sem duvidas a vida e obra de Susanna Wesley, o exemplo raro em tamanho, de uma testemunha fiel em perfeita sintonia com o Evangelho não só para a formação de seus filhos, não só para as bases fundacionais da Igreja Metodista, mas, para a integralidade dos filhos de Deus espalhados sobre a terra.
                  Em tempos difíceis onde se busca impor uma danosa redefinição dos padrões conservadores de família e de liberdades, onde os valores morais e éticos de origem judaico-cristãos são tarjados de autoritários, retrógrados e castradores, cabe relembrar e destacar o alerta de Susanna Wesley acerca da educação e formação de filhos como um modo de prepará-los para as causas do mundo e preservá-los da condenação eterna: "Eu insisto em que a vontade da criança deve ser dominada cedo. A obstinação é a raiz de todos os pecados e misérias; todo aquele que incentiva a obstinação numa criança garante seu naufrágio no futuro. Todo aquele que a educa e a disciplina garante sua futura alegria e piedade. Quando consideramos que a religião está realizando a vontade de Deus, e não a nossa, o único grande impedimento para a nossa felicidade temporal e eterna é a nossa obstinação. Assim, nenhuma indulgência pode ser trivial e nenhuma negação deixa de ter recompensa. O céu ou o inferno dependem somente disso; assim, o pai que estuda uma forma de vencer a obstinação dos filhos trabalha junto com Deus na renovação e na salvação de uma alma. O pai que se submete à vontade obstinada dos filhos faz a obra do diabo, torna a religião impraticável e a salvação inalcançável. Ao ceder a todas as suas vontades, condena os seus filhos, alma e corpo para sempre."
                   Mais abaixo, dispomos um pequeno texto de Susanna Wesley numa apologia devocional do Domingo, o Dia do Senhor como um marco no tempo voltado para descanso físico e para refrigério espiritual do crente. Um dia cedido como dádiva de Deus para o homem celebrar sua união com o seu Senhor. Dignas de nota são também as palavras de despedida de Susanna aos seus filhos, proferidas poucos instantes antes de sua partida para encontrar-se com seu Senhor e Deus: "Meus filhos, tão logo eu seja posta em liberdade, cantem um salmo de louvor a Deus"; era o dia 23 de Julho de 1742.

 Esse é o Dia que o Senhor fez; regozijarei e me alegrarei nele
 Glória seja dada a Ti, Eterno pai dos espíritos,
 por concederes tão bondosa e graciosamente um Dia entre sete
 às criaturas que Tu fizeste.
 No qual, a responsabilidade, assim como a alegria delas, 
 consiste em afastar-se dos negócios e correria de um mundo
 turbulento de irritações e aborrecimentos,
 sendo a elas permitido desfrutar atenção mais imediata
 e ininterrupta da majestade divina.
 Ó bendita concessão! Ò Dia mais feliz de todos!

Senhor, eu nunca poderei adorar suficientemente Teu infinito amor
e bondade ao dedicar essa sétima parte de meu tempo a Ti.
Que esses momentos sagrados sempre sejam empregados a Teu serviço.
Que nenhuma ideia ou fala vãs ou inúteis venham roubar-Te  
a honra e o louvor devidos a Ti nesse dia;
ou privar minha alma desse benefício peculiar
e das bênçãos a serem recebidas,
pela realização consciente das responsabilidades desse Dia.



Bibliografia de apoio: Impacto publicações
"Devotion journal", in Michael D. McMullen, hearts aflame; Prayers of Susanna, John and Charles Wesley._ Uma introdução à espiritualidade cristã, Allister McGrath.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Você sabe... #8 A Contrarreforma




              
Frontispício da Vulgata latina, a tradução oficial da igreja segundo o concilio de Trento



                A Contrarreforma ou Reforma Católica, foi o movimento de reação da igreja católica apostólica romana às proposições e aos efeitos produzidos pela Reforma Protestante na Europa do Século XVI.  O marco central dessa reestruturação eclesiástica ocorreu no Concílio de Trento, convocado em 1545 pelo papa Paulo III e visando uma determinação de unidade da fé e de disciplina eclesiástica para o catolicismo. Este é um tema bastante polêmico e que suscita fervorosos debates por parte de historiadores da época e da igreja de então, começando pelo fato de que estudiosos mais recentes de orientação católica se opõem ao próprio entendimento que outrora fora consensual, de que o cenário e o contexto em que se operou a reforma católica é anterior à própria Reforma Protestante; desde antes do décimo sexto Século, movimentos reformistas dentro da igreja católica já podiam ser vistos na Europa. 
                 É verdadeira a afirmação de que podiam ser encontrados na grande seara da cristandade certos focos de tendências reformistas com uma conduta mais voltada para a espiritualidade do que para a ordem eclesial. No entanto, esses focos além de ínfimos e locais, eram antes de tudo, extrainstitucionais, eles partiam de ações de despertamento individual e de reorientação do procedimento pessoal por entender que a oferta de vida religiosa dada pela igreja era insuficiente diante das demandas divinas. Também esses cristãos, além de não pretenderem qualquer interferência na condução papal, conservavam impoluta sua confiança nos dítames católicos da infalibilidade papal, da tradição e da salvação orgânica mediante o ministério da igreja. Um exemplo que talvez caiba a menção aqui, seja o nome do reformador Girolamo Savonarola (Hyeronimus Savonarola), um padre dominicano profundamente preocupado com o paganismo e a perversão moral na rica e próspera Florença do Século XV. Savonarola tinha uma inquietação genuína e voltada para Deus, ainda que dada a excessos místicos e guiada por supostas experiências de extase, mas, ele tinha como objeto principal de sua inimizade a pessoa do papa Alexandre VI  e seu modo de governar a igreja e os estados por ele "apadrinhados". A conjuntura social e política na Europa do Século XV era predominantemente definida pela Igreja que detinha grandes riquezas e o maior poder sobre todos os estados-nações, o poder exclusivo de consagrar imperadores e monarcas. Até mesmo aquele que mais tarde tornar-se ia seu grande opositor, que se insurgiria ferozmente ao papel de definidor das verdades no mundo, o Renascimento, foi de início subordinado a ela, uma vez que os artistas e pensadores eram sustentados financeira e filosoficamente por seus cofres diretos ou os de protegidos seus. 
                   Mas, o principal fator que despertou e conduziu a Reforma Protestante, foi a profunda degradação moral e os abusos despóticos da igreja. Foi contra isso que Lutero e outros reformadores se insurgiram; a Reforma nunca pretendeu ser um movimento de rebeldia contra a igreja, todos os célebres reformadores sempre entenderam que a Igreja é o "braço esquerdo de Deus" em ação no mundo. Há um bom número de historiadores ou estudiosos do período que informam ter havido tentativa ou tentativas de reaproximação entre reformadores e a Cúria romana propostas por estes últimos, sem contudo, ter progredido diante da dureza e irredutibilidade orgânica dos mesmos. Uma outra discórdia moderna de alguns historiadores de orientação católica é acerca dessa situação de degeneração espiritual e moral da igreja no período que antecedeu a Reforma. Há quem informe* bastidores de negociações por parte dos estados papais envolvendo uma possível convocação para concílio de redefinição da organização e dos poderes da igreja católica, que não teríam alcançado a aprovação do papa, pelo mesmo temer uma tendência secularizante de seus domínios.  Não ignoremos entretanto, o preponderante fator da perda do número de fiéis da igreja que aderia à pregação evangélica dos reformadores e que exigia uma reação do catolicismo
                   Correspondente à uma verdade ou não, esses relatos em nada contribuíram para uma reestruturação positiva da igreja no sentido de atender às expectativas e necessidades espirituais dos cristãos. Primeiro, porque a Igreja Católica respondeu às proposições bíblicas de Lutero com perseguição e censura tratando-o como herege e uma espécie de "capelão do Diabo" e os que o seguiram, como excomungados condenados. Segundo, porque quando de sua resposta institucional à Reforma Protestante, a Contrarreforma não ofereceu qualquer refrigério ou "vento novo" de espiritualidade para a massa de seus congregados; as resoluções do Concílio de Trento só visavam fortalecer a estrutura de poder católica como exclusiva portadora da Palavra e da identidade de Cristo. Foram resoluções do Concílio de Trento: Foi recuperado e revestido de maior poder o Tribunal do Santo Ofício (a inquisição), foi elaborado e editado o Índice dos Livros Proibidos (Index Librorum Prohibitorum), um catálogo de livros proibidos pela igreja, bem como as regras para a censura à novos livros subordinadas em última instância, a autoridade papal, foram  criadas novas ordens religiosas para a catequese dos povos do Novo Mundo, foram criadas universidades e seminários e foi definida a Vulgata (versão latina) como a tradução oficial da Bíblia entre outras. Uma das poucas decisões da contrarreforma que realmente poderíam ser boas, foram reduzidas em seu alcance pois as heréticas indulgências foram diminuidas em seus abusos, mas não extintas.
                   A Contrarreforma como qualquer outro movimento histórico da Igreja não pode ser compreendidos por concepções reducionistas, há todo um contexto predecessor e um contexto de efeito que merece profunda análise para que não só conheçamos a história de nossa crença pessoal, mas, para que possamos sustentar e defendê-la com consciência e por convicção. Mas, em virtude da consideração das respostas da igreja não atingírem as ânsias espirituais nela depositadas, podemos resumir o expediente da Contrarreforma, como a definição dos que estão do lado de dentro da salvação oferecida pelo ministério católico, e, os que estão do lado de fora.
            



* A Divisão da Cristandade_ Da Reforma Protestante à Era do Iluminismo/ Christopher Dawson_______  É Realizações Editora




sábado, 24 de outubro de 2015

Meditari


             
O pregador do Evangelho John Newton



                 John Newton foi um errante pecador neste mundo que experimentou diversas formas de reveses em sua vida até o dia em que foi tomado por Deus para si mediante o poder de sua graça e misericórdia. Nascido em 24 de Julho de 1725 em Londres, Newton sempre conduziu sua vida como um profano e imoral, ingressando na marinha aos 11 anos de idade como um soldado raso, logo foi forçado a servir na brutal guerra marítima dos ingleses contra os franceses. Essa experiência o colocara em constante confronto com a morte iminente e, movido por esse temor assombroso, desertou da guerra, sem conseguir escapar no entanto, de ser achado pela Marinha e ser submetido ao severo açoite da disciplina. 
                 Até essa época Newton repulsara todo o conhecimento acerca de Deus que lhe havia sido transmitido. Ao abandonar a marinha de guerra, entrou para a marinha mercante no comércio de escravos africanos tornando-se comandante de navio, traficante e mercador. O tráfico de escravos apanhados na África era e talvez continue sendo até hoje, uma das mais doentias expressões conhecidas da extensão do pecado na humanidade dada a sua natureza e processo de manutenção. Na época de Newton, os escravos eram tomados cativos e acorrentados postos em fileiras dentro de calabouços sem qualquer iluminação natural ou artificial, sem provisões alimentares ou água, enfileirados de forma a comportar nesse horrendo espaço sob a plataforma do navio o maior número de "espécimes". O único cuidado que recebiam de seus captores era o de impedir tentativas de suicídio ao mar, mas, a imposição de medidas corretivas eram frequentes guardando a prudência de não danificar o "produto".__ Essa mínima descrição da vida cotidiana de escravos e escravagistas pode nos comover e nos enojar de nós mesmos como seres humanos, mas, ela não movia em em nada o espírito de Newton, ainda mais quando ele protagonizava o lado opressor. 
                 Entretanto, isso tudo mudou no dia em que uma rigorosa tempestade se lançou sobre a rota que Newton percorria. O mar revolto pelo sopro imperioso dos ventos lançou parte da tripulação do navio onde ele estava, dentre eles, aquele que havia assumido por um instante sua posição na condução da embarcação. Neste instante, lutando contra a tempestade e tentando desesperadamente não afundar junto com o navio, Newton reconheceu sua fraqueza e dobrou-se perante Deus, clamando por misericórdia e socorro. E, Deus aceitou a Newton e reconheceu sua oração e rendição genuínas. Depois deste episódio, Newton ainda atuou no comércio de escravos e foi oficial de alfândega (cabe aqui esclarecer que nessa época, a igreja na Inglaterra e em tantas outras partes do mundo reconhecia e aceitava essa prática), mas, movido por um impulso maior e pelas recordações de sua trajetória passada, e, ainda impactado pelas leituras que fizera do livro 'A imitação de Cristo' de Tomás de Kempis, John Newton ingressou nos estudos preparatórios para o ministério. John Newton foi pregador do Evangelho durante 43 anos, servindo em sua cidade, Londres em uma comunidade do subúrbio, e foi por 29 anos presidente da Comunidade das Igrejas Evangélicas Independentes (Fellowship of Independent Evangelical Churches).
                Newton escreveu mais de 30 livros e foi um ardoroso defensor da soberania de Deus para a salvação do pecador e o seu próprio testemunho referendava-lhe tal crença: ________________________
 Eu não sou o que eu deveria ser - ah, quão imperfeito e deficiente! Eu não sou o que eu desejo ser - eu abomino o que é mau, e gostaria de me unir àquilo que é bom. Eu não sou o que eu espero ser - logo, logo eu lançarei fora a mortalidade, e com a mortalidade todo pecado e imperfeição! Embora eu não seja o que eu deveria ser, o que eu desejo ser, e o que eu espero ser - ainda posso verdadeiramente dizer que eu não sou o que eu fui uma vez - um escravo do pecado e de Satanás! Posso me unir de coração com o apóstolo e reconhecer: "Pela graça de Deus, eu sou o que eu sou!"_ De mesma maneira, Newton compreendia a extensão do dano que o pecado causa no coração e no espírito do homem:___________________________________________________________________
  Para que tenhamos uma ideia correta da natureza do coração humano, devemos perguntar a nós mesmos se conseguiríamos suportar a imposição de declararmos sem restrições, em voz alta, na presença de muitas pessoas, todos os pensamentos e desejos que se encontram em nosso coração. Estou convicto de que algumas pessoas, se fossem colocadas diante de tal prova, prefeririam morrer a concordar com tal imposição. Elas perceberiam que, em tal provocação, existem coisas para as quais dificilmente encontrariam palavras capazes de expressá-las. O Senhor, em sua misericórdia, nos tem guardado de conhecer o coração dos outros, até ao ponto em que estamos dispostos a revelar a nós mesmos. Se todas as pessoas fossem obrigadas a falar tudo o que pensam, isto seria o fim de nossa sociedade, e as pessoas nunca mais se arriscariam a morar com outros seres humanos; em vez disso, morariam com tigres e ursos. Todos sabemos que danos uma língua desgovernada pode causar em algumas ocasiões. Mas a língua não causará nenhum dano enquanto não for um instrumento de revelação das coisas ocultas do coração; é somente uma parte dessas coisas que a pior língua é capaz de revelar. O que aconteceria, então, se todos os corações fossem abertos e todos os nossos pensamentos, conhecidos para os outros? Que mistura de confusão, vergonha, retraimento, medo e desonra encheria todos os rostos... E todos nós estamos expostos à perscrutação de um Deus puro e santo!
     Mais abaixo, dispomos um vídeo com uma apresentação adaptada do hino cristão 'Amazing Grace' composto por John Newton, que é a mais fidedigna narrativa autobiográfica do ex-traficante de escravos tomado cativo pela graça de Deus e regenerado para servir na "seara do Senhor", também, a letra  do mesmo, e sua tradução de acordo com a autoria original. Amazing Grace talvez seja a mais conhecida das canções de mensagem cristã, e, se atentarmos para ela, a forma como ela retrata a vida de um cristão comum, resgatado das correntes malignas do pecado e refeito espiritualmente por e para Deus, é certo que compreenderemos o seu alcance.




    Nota:   Para aqueles que se interessam por melhor conhecer a trajetória de vida de John Newton, a Editora Fiel publicou um livro que a apresenta com espiritualidade e contagiante emoção; 'De traficante de escravos a pregador'__ A história de John Newton, Brian Edwards.

Il Divo /  Amazing Grace. Vídeo by, YouTube.








"Sublime Graça"  
Sublime graça! Como é doce o som,
Que salvou um miserável como eu!
Uma vez eu estava perdido, mas agora fui encontrado,
Estava cego, mas agora eu vejo.

Foi a graça que ensinou meu coração a temer,
E a graça aliviou meus medos;
Como preciosa essa graça apareceu,
A hora em que eu acreditei!


Através de muitos perigos, labutas e armadilhas,
Eu cheguei;
É a graça que me trouxe em segurança até o momento,
E graça vai me levar para casa.


O Senhor prometeu bom para mim,
Sua palavra assegura a minha esperança;
Ele será meu escudo e porção será,
Enquanto a vida dura.

Sim, quando esta carne e coração se falhar,
E a vida mortal, cessará,
Eu devo possuir, dentro do véu,
Uma vida de alegria e paz.


A terra em breve se dissolverão como a neve,
O sol deixar de brilhar;
Mas Deus, que me chamou aqui em baixo,
Será para sempre meu.



John New­ton, Ol­ney Hymns (Lon­don: W. Ol­i­ver, 1779)
"Amazing Grace"
Amazing grace, how sweet the sound
That sav’d a wretch like me!

Was blind, but now I see.
’Twas grace that taught my heart to fear,
And grace my fears reliev’d;
How precious did that grace appear,
The hour I first believ’d!


Thro’ many dangers, toils and snares,
I have already come;
’Tis grace has brought me safe thus far,
And grace will lead me home.


The Lord has promis’d good to me,
His word my hope secures;
He will my shield and portion be,
As long as life endures.

Yes, when this flesh and heart shall fail,
And mortal life shall cease;
I shall possess, within the veil,
A life of joy and peace.


The earth shall soon dissolve like snow,
The sun forbear to shine;
But God, who call’d me here below,
Will be forever mine.



John New­ton, Ol­ney Hymns (Lon­don: W. Ol­i­ver, 1779)

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Você sabe ... #7 Os Judaizantes




               









                  Os judaizantes foram grupos de neoconversos cristãos de origem judaica que ao aderirem à fé cristã e à nascente "comunidade do Caminho" ainda no primeiro século da era cristã, resistiram em abandonar as observâncias da Lei mosaica e as práticas rituais do judaismo no qual haviam nascido, e tentaram introduzi-las ao culto cristão . A igreja cristã estava sendo gestada com fervor e intrepidez, seu crescimento se dava por onde a Palavra de Deus era anunciada, mas, incidentes e controvérsias começaram a surgir logo dentro dela. Primeiro os próprios discípulos divergiram acerca da legitimidade ou necessidade de se anunciar a Boa Nova de Deus, Cristo aos gentíos, ou restringí-la ao povo judeu que herdara a fé de Abraão e já estavam integrados a um sistema religioso e de conduta. Esta polêmica discórdia suscitou o que conhecemos como o primeiro concílio da igreja cristã, o Concílio de Jerusalém (Atos 15). Tratada e resolvida a questão, decidiu-se pela universalização da proclamação da Palavra de Deus.
                 Entretanto, não tardou e sem demora, nova contenda surge: Os cristãos de origem judaica queríam constranger aos irmãos de origem gentílica a obedecer os preceitos do judaismo e impôr-lhes a circuncisão como necessária àqueles que se convertessem à fé comum do povo de Deus; também queriam preservar o calendário judaico, as festas religiosas, a dieta e a observância da Lei mosaica. Houve tal disputa (Gal. 2) até mesmo ríspida, que judeus identificados pelo apóstolo Paulo como falsos irmãos em Cristo resistiram aos discípulos/apóstolos de maneira áspera provocando até um incidente de dura repreensão de Paulo a Pedro, por este praticar uma conduta pessoal dúbia quando compartilhava da companhia e da mesa com os dois pólos da disputa. Paulo além de repreender a Pedro, expôs de forma incontestável a "Verdade do Evangelho", o Cristo da fé que justifica o pecador e por seu sacrifício encerra n'Ele a Lei que pesava sobre o homem. A deliberação da igreja em Jerusalém foi incontestável e vigorosa: A lei e todos os elementos litúrgicos do Antigo Testamento compunham o endosso da antiga aliança de Deus com o seu povo, eles eram sombras ou figuras prévias de Cristo; Ele é o ponto para onde conflui toda a Lei e todas as promessas da velha aliança. Cristo é a Nova Aliança, e, Cristo é a Lei em excelência, e por nossa obediência a Ele, satisfazemos a lei do amor que compraz a Deus.
                Creio que a tentativa de manter ou incorporar os elementos do Judaismo para dentro da igreja cristã primitiva pode e deve ser estudada e compreendida, apartir do conhecimento de todo o tecido histórico que contribuiu para essa defesa ferrenha da tradição judaica, ainda que nunca a justifiquemos em face do desvelar da verdade que revelou para nós o Cristo . Creio também, ser enriquecedor e qualificador da nossa fé, considerarmos toda a trajetória da nação de Israel na história, sobretudo, na sua caminhada durante os 400 anos de "silêncio profético" (tempo onde Deus não enviou revelação profética para seu povo), o chamado período intertestamentário. Quando Israel vivia esse período, a nação instituida por Deus já estava impregnada de uma miscelânea de elementos estranhos à Escritura, desde os membros do comando de governo, passando pelo templo com seus sacerdotes, até o povo. Isso era um reflexo das invasões sofridas e as culturas pelos  invasores transmitidas e assimiladas pelos israelitas. A ausência da voz profética de Deus por sua vez, ofereceu espaço para crenças extraordinárias fortemente influenciadas por rudimentos místicos e filosóficos oriundos principalmente da teodicéia grega, e, muito dessas crenças foi ensinado como fundamentos auxiliares ou complementares aos livros da Lei e do testemunho dos profetas; também nesse momento, as sinagogas, que eram os santuários que substituiam ao Templo destruído exerciam um ensino e uma vigilância religiosa extremamente legalista sobre o povo e, surgiram muitos partidos político-religiosos (escribas*, fariseus, saduceus, herodianos e zelotes) interpretando e fragmentando a sociedade israelita. Isso e muitas outros fatores haviam tornado o povo de Israel ainda que fragmentado, completamente expectante pelo Messias. No entanto esse aspecto agregador do povo que a princípio deveria contribuir para a aclamação de Jesus como esse Messias, na verdade os afastou e trouxe a insurreição contra Ele; os judeus rechaçaram a Jesus e o condenaram como herege.  Os mesmos judeus alegam que as expectativas do Ungido de Deus devem ser confirmadas dentre outras coisas, sobre um rei que recobraria a liberdade e o controle em Israel, construiria o terceiro Templo, reuniria o povo de Israel em sua terra, universalizaria o conhecimento sobre Javé e estabeleceria uma paz mundial, ou seja para eles (judeus) Jesus não cumpriu a expectativa dessas profecias messiânicas, então, Ele não lhes representa o ungido de Deus e ainda o aguardam até hoje.
               O que é bem menos razoável e compreensível para nós Cristãos de hoje, principalmente no Brasil, é a existência crescente de serviços e celebrações religiosas de cunho judaico dentro das igrejas evangélicas de diversas linhas denominacionais. Assistimos o surgimento de agrupamentos de cristãos que subitamente passam a praticar os ritos iniciáticos do judaísmo, tais como a circuncisão, Bar e Bat Mitzvah, passam a guardar o Shabbath, observam preceitos dietéticos e festas religiosas do calendário judaico e outros. Tudo isso depois de terem tido acesso a Palavra de Deus claramente desvendada pelos discípulos e apóstolos de Cristo no texto do Novo Testamento. Os cristãos que se deixam ser conduzidos por uma fé suportada e norteada por preceitos do judaismo, assim como os chamados judeus messiânicos devem atentar de modo improrrogável à exortação austera do apóstolo Paulo na sua epístola aos Gálatas: "Vocês que procuram ser justificados pela Lei, separaram-se de Cristo, caíram da graça".**







 *Os escribas não eram necessariamente um partido, mas possuíam um poder como tal, ao passo que exerciam a autoridade sobre a Lei oral.
**Epístola aos Gálatas. 5:4.

sábado, 17 de outubro de 2015

Meditari




                 
O gênio do barroco Johann Sebastian Bach ao órgão+








                  Johann Sebastian Bach foi, ou é um daqueles artistas cujo epíteto de gênio cabe com precisão e retrata com a estatura correta a sua obra composta e deixada como legado ao mundo. Nascido em 21 de março de 1685, na cidade de Eisenach, no Sacro Império Romano-Germânico, hoje  Alemanha, filho do musicista e professor de violão e viola Ambrosius Bach e de Maria Elisabeth Laemerhirt, o ainda infante Bach aos 10 anos de idade já havia se tornado órfão, mas também precocemente já mostrava aptidão pela música, principalmente tocando cravo e órgão. Com a ajuda de seu irmão mais velho que servia como organista da igreja de são Miguel, na cidade de Ohrdruf, além de aprimorar-se tecnicamente, entrou em contato com o musico, organista, professor e compositor proeminente do estilo barroco Johann Pachelbel, que era mestre deste seu irmão e tornou-se uma grande e definitiva influência para a obra de Bach.
                 Johann Sebastian Bach por algum tempo foi cantor em corais e procurou estar sempre ligado a outros músicos e compositores de sua época, ao mesmo tempo que estudava e se desenvolvia ao órgão, até que em 1701 começou a compor para esse instrumento. Ao passo que a adolescência transcorria, sua voz começou a apresentar as inevitáveis mudanças próprias da fase de desenvolvimento e maturação. Logo, passou para os instrumentos de corda retomando das lições ainda aprendidas junto ao pai. Bach percorreu durante sua vida por quase todos os gêneros musicais de sua época, até mesmo pode-se perceber em algumas cantatas de sua fase madura, uma sutil influência da Ópera, ainda que ele não tenha se aplicado ao celebrado gênero em específico. Bach é tido hoje quase que unanimemente como o maior expoente da música barroca, mas, os críticos contemporâneos de seu tempo não o víam com a mesma grandiosidade e louvor; foi reconhecido e destacado como um virtuose e um excelente luthier.
                  A obra de Bach é grandiosa e diversa tanto na área da música sacra quanto da dita secular, e se hoje pouco sabemos de sua produção para a igreja, isso se deve a uma ignorância cultural as vezes movida pela falta de estímulo á boa pesquisa, e, as vezes, por ignorância sustentada por preconceitos denominacionais que mais se assemelham ao sectarismo. Perdemos nisso, nós todos que deixamos de entrar em contato com a mais alta categoria da música, uma música que transcende o tempo e nos eleva a alma para lugares muito particulares e sublimes, enquanto distantes dela, cedemos e aceitamos o lixo mais vulgar da música popular e gospel. A respeito da obra e do significado e do sentido pretendidos nela os professores e escritores Edwin M. Yamauchi, Richard Pierard e Robert Clouse escreveram no livro Two Kingdoms: The Church and Culture Throughout the Ages (Dois Reinos: A Igreja e a Cultura Através das Èpocas*):____  Apesar de ter escrito várias peças importantes da música secular, para ele sua vocação estava a serviço de Deus e de sua igreja. Seu amor às Escrituras e à igreja traduziu-se numa fusão de fé, música, teologia e liturgia.Para ele, compor uma música era um ato de fé e tocá-la, um ato de adoração. Em suas grandes cantatas, oratórios, paixões, composições para órgão(...) ele pôs em prática essa percepção de chamado divino para criar uma música apropriada para o louvor a Deus. Ele colocava a história bíblica em forma de música a revelar a presença de Deus à congregação e proporcionar um diálogo com o Todo-Poderoso. Segue abaixo, um pequeno excerto da pena de Johann Sebastian Bach:


Oratório de Natal.
Número 7. Coral:

Pobre veio à terra,
quem saberá honrar como merece
o amor que nos oferece o nosso salvador?
Que Ele tenha piedade de nós
sim, quem compreenderá alguma vez
quanto lhe afetam os desgostos da humanidade?
Que a riqueza nos seja dada nos céus.
O Filho do Altíssimo descende à terra
porque deseja salvar os homens
e tornar-nos iguais aos seus anjos.
Por isso, Ele mesmo fez-se homem.
Senhor tem piedade!

Número 37. Recitação:


Emanuel, ó doce palavra!
Meu Jesus é meu pastor,
meu Jesus é minha vida,
meu Jesus deu-se a mim,
meu Jesus estará par sempre
ante meus olhos.
Meu Jesus é meu gozo,
meu Jesus conforta meu peito e meu coração.
Jesus, amado de minha vida,
prometido de minha alma,
Tu que deu a vida por mim, 
na amarga madeira da cruz!
Vem! Quero abraçar-te com alegria, 
meu coração nunca se separará de Ti!
Ó! Toma-me e leva-me contigo!



Jesus alegria dos homens (Jesus bleibet meine freude)


Jesus continua sendo minha alegria,
o conforto e a seiva do meu coração,
Jesus refreia a minha tristeza, 
Ele é a força da minha vida.
É o deleite e o Sol dos meus olhos,
o tesouro e a grande felicidade da minha alma.
Por isso, eu não deixarei ir Jesus,
do meu coração e da minha presença.


Mais abaixo dispomos um vídeo com a execução da majestosa "Jesus, alegria dos homens", pela orquestra do convento beneditino da cidade de Melk, na Áustria, sob a condução de Nikolaus Harnoncourt:



Há uma rica oferta de material videofonográfico expondo a obra de Bach pelo canal YouTube, o qual encorajamos você a experimentar.

* Tradução livre.
Bibliografia de apoio: Servos de Deus, espiritualidade e teologia na história da igreja./ Franklin Ferreira. Editora Fiel
+ Crédito da imagem: Museu britânico.




quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Uma igreja de 2 asas




               É muito comum ouvirmos em sermões e pregações dentro das nossas igrejas, principalmente quando o alvo daquele que fala é promover um despertamento da fé e um envolvimento maior dos fiéis nas mais diversificadas atividades promovidas, um comparativo dos dias atuais com os primeiros passos da igreja de Cristo, notadamente sustentando sua argumentação nos capítulos iniciais do livro dos Atos dos Apóstolos. Presenciamos uma promoção eufórica de uma expectativa de termos redivivos os tempos apostólicos que sucederam a ascensão gloriosa de Cristo onde a igreja se multiplicava movida pelo amor e pelo fervor dos crentes, não importando as consequências pessoais que fossem acompanhadas. No entanto, creio que para estabelecer tal comparativo seria necessário negligenciar algumas observações flagrantes e fatos ocorridos no curso da história, tais como, desconsiderar em certa medida tanto a história e a evolução da sociedade e da  igreja desde então, até os dias de hoje, eliminar a personalidade singular e particular, os interesses e as preferências  de cada crente, e, arbitrar até mesmo o sentido e a exegese da Palavra de Deus realizando malabarismos de interpretação que omitam totalmente a verdade pretendida por Deus na Palavra.
               A chamada igreja de 2 asas ( Grupo Grande ou Templo+Pequeno Grupo ou casas) é hoje apresentada como um recurso precioso para promover a comunhão e preservar a fé de muitos fiéis, mas, ela também pode se tornar uma armadilha à própria existência da congregação, se a cultivarmos pelo simples fato de nos reunirmos entre irmãos na fé para bate-papo e descontração vazia.Há uma certa variedade de movimentos com diretrizes próprias de promoção de grupos de crentes que se ajuntam como Pequenos Grupos, Grupos Familiares, Movimento em Células, G12... Em verdade,na maioria das vezes, as igrejas que aderem ao movimento de pequenos grupos como uma herança direta do movimento de células do tipo G12, acabam abandonando sua confissão de fé ou declaração doutrinária de origem e migram para ensinos heréticos. Outras igrejas que implantam os pequenos grupos sem obedecer uma programação que exercite constantemente a Palavra de Deus de forma que respeite suas compreensões doutrinárias próprias e que obedeça uma estrutura de desenvolvimento e manutenção do discipulado, irão apenas estimular a criação de nichos ou clubinhos fechados e pouco entusiasmados com a celebração do grupo grande. A igreja de 2 asas que não tem como centro de convergência a asa da grande congregação vai cedo ou tarde, encontrar-se com o fracasso, pois, ao reunir os pequenas grupos pelo simples fato de ajuntar partes com interesses ou características comuns, é e sempre será uma tentativa mais retórica do que teológica e cristocêntrica de causar uma espécie de reavivamento da igreja para o enfrentamento das demandas atuais e  sua preservação.
                 Ao considerarmos a história e as mudanças sócio-culturais que ela provocou, não podemos imaginar ingenuamente que a igreja vai sobreviver imune ao formato pós-moderno da sociedade sem fazer sacrifícios de adaptação pelo fato de ela carregar as promessas de Deus de triunfar em face "as portas do inferno", estas promessas estão acompanhadas e caminham com o auxílio da participação ativa da igreja em todas as épocas e condições. Se vivemos em um meio fortemente abalado pela inversão dos valores tradicionais que herdamos da tradição judaico-cristã, talvez devamos reconhecer nossas falhas na caminhada da igreja. Quando a igreja primitiva alcançou liberdade de expressão no império romano, logo as cabeças proeminentes da época cobiçaram o poder que outrora os oprimira, achando que a autoridade sobre o Estado e não a proteção do Altíssimo, era a garantia para sua sobrevivência, e , amaram e se embriagaram com a riqueza e o poder de  imposição sobre as nações. Como consequência natural disso, a igreja abandonou o pastoreio do povo e "séculos de trevas" se seguiram. No início do Século XVI, ocorreu a Reforma Protestante na Europa e muitos homens de Deus deram suas vidas para recuperar a Palavra de Deus e a correta doutrina  das Escrituras para o povo, mas não sem aflições e sangue derramado e, imaginemos ainda, a revolução que a Reforma causava dentro da igreja da época, com certeza muitas almas humildes acostumadas e crentes no tratamento eclesiástico dispensado a elas, temeram até pelo fim da igreja, quando na verdade eram libertas de um julgo pesado e despótico.
              Parece que hoje voltamos a decair novamente de nossa posição de destaque no mundo. Se por um lado a igreja alcançou lugares outrora inimagináveis e a Palavra de Deus pode ser ouvida nos mais diversos idiomas e dialetos,  cabe a suspeita de que aderimos em parte ao humanismo derivado do Iluminismo do Século XVIII no tocante a interpretação da Bíblia, pois dela ouvimos palavras que Deus jamais diria; nela (na Bíblia) encontramos defesa para nosso hedonismo, para nossas concupiscências e para utilizarmos Deus como um amuleto de Fé. Salta aos nossos olhos que é o amor à paz e ao poder que não emanam de  Deus, é a idolatria que nos afasta de Deus e nos coloca sob o peso de seu juízo. A igreja dos tempos atuais deve adaptar sua comunicação e sua ação profética dentro de moldes que tanto alcancem o homem de nosso século como glorifique ao Deus eterno; uma acomodação pós-moderna para comunicar verdades eternas. Nesse sentido os pequenos grupos são eficazes por sua capacidade de mudança e a inexistência de formalismos. Mas, por mais livres e informais que as suas reuniões possam ser, elas devem preservar e privilegiar a ênfase em Cristo, e não nas pessoas que a compõem.
                Também não devemos aceitar tanto dentro da asa do grupo grande como do grupo pequeno, o ensino das Escrituras como uma mera atividade retórica sem respaldo teológico para sermos feitos instrumentos dos caprichos de mestres falsos ou preguiçosos que não se dedicam a leitura da Bíblia como a voz presente, legítima e discipuladora de Deus; O amor de uma igreja pela Palavra de Deus é quase sempre proporcional  ao amor que seu pastor lhe dispensa. Muitas igrejas morrem espiritualmente por que não se dedicam com o devido apreço e tempo necessário ao estudo da Palavra e seus corretos sentido, significado e aplicação para suas vidas. Apenas como ilustração do descaso com a correta interpretação das Escrituras, que é muito maior nos pequenos grupos, no começo deste texto, apontamos o embasamento entusiasta da igreja de 2 asas como uma reedição dos tempos apostólicos e primitivos da igreja para os nossos dias, os primeiros capítulos do livro de Atos dos Apóstolos. Pois bem, ouvimos como um mantra uma ênfase em Atos 2: 46 como a base bíblica desta união dos dois braços da igreja ( no templo e nas casas), no entanto, o valor dessa leitura é contestável, em razão de a igreja nascente não ter templos, ela sequer era ou seria aceita como tal, as reuniões eram no templo dos judeus onde os recém-convertidos a Cristo louvavam a Deus sem que participassem (talvez a maioria) das atividades rituais, mas mantendo a compreensão de que o Templo era a habitação de Deus, e a preservação desse entendimento mais tarde contribuiu para o surgimento de uma barreira para o crescimento individual de muitos cristãos de origem judaica que queríam manter crenças e a observação estrita da Lei e à própria congregação dos santos.
              A igreja em primeiro momento experimentou severa perseguição e sítio, reunia-se comunitariamente sob as condições mais precárias e enfrentou levantes internos de dentre os que se agregaram a ela como neoconversos, as marcas distintivas do período que determinaram o seu crescimento mesmo sob tais condições, foram o amor pela Palavra de Deus, a dedicação a Didaché dos apóstolos(Atos 2: 42), e a soberana vontade de Deus, que corrobora para o bem de todos que amam a Ele. A sucessão ao tempo dos apóstolos logrou grande êxito no que concerne ao discipulado da igreja, pelo fato de que muitos mestres do período da Patrística (dos "Pais da Igreja") se dedicaram à catequese de suas comunidades de fé mediante o lecionar do Decálogo ( leitura e compreensão dos 10 mandamentos), do Credo dos Apóstolos+, do Pai Nosso e dos sacramentos. Esse modo de instruir a igreja cristã foi fortemente reeditado no período da Reforma Protestante*.  O que pode se concluir portanto, é que o movimento denominado de igreja de 2 asas pode ser adotado e alcançar desenvolvimento próspero que honre e glorifique a Deus, mas, há uma necessidade de entrega mútua e contínua, a renuncia deve da mesma forma ser unânime e permanente, o processo de mudança deve contemplar e abarcar a todos os membros da comunidade no que toca à condução do rebanho da congregação e no que respeite suas personalidades e distinções, mas deve ser inegociável no tocante ao recebimento e `a resposta que oferecemos a Deus, ou seja, de Deus só aceitemos aquilo que o glorifique como Senhor e soberano, para Deus só retribuamos aquilo que o louve como nosso Pai altíssimo.








+ O texto do Credo dos Apóstolos

 Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra.

 Creio em Jesus Cristo, seu único filho, nosso Senhor, o qual foi concebido por obra do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria; padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso donde há de vir para julgar os vivos e os mortos.

 Creio no Espírito Santo; na santa igreja universal; na comunhão dos santos; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo; na vida eterna. Amém.




* Avivamento para a igreja. Franklin Ferreira/ Edições Vida Nova.







 
          

sábado, 10 de outubro de 2015

Meditari




                 Em um tempo no qual nos servimos de um amplo mercado gospel que abarca quase que todos os ramos do mercado dito secular ou profano, nós, os religiosos temos ao nosso dispor tudo aquilo que desejamos ter de acesso à cultura e à arte com o rótulo de gospel, e que as gerações anteriores não tinham, e se abstinham por convicção de fé. Teatro, cinema, literatura e musica gospel no Brasil de hoje, pesam de forma substantiva os saldos da balança comercial e mesmo em momento de crise financeira, depois de termos provado de alguma projeção social, que é o lado favorável da moeda, por outro lado, tornamo-nos como toda a sociedade, brasileiros consumistas, consumindo cada vez mais, livros, filmes, discos e outros produtos sem qualquer critério e alimentamos uma indústria crescente que corre evangelisticamente quase sempre à revelia de Deus.
           Sem querer adentrar profundamente nesta questão, é fundamental entendermos pelo menos que o consumismo torna a sociedade sem valores e escrúpulos. Apenas consumir importa até se diluir tanto a cultura quanto o próprio povo. Para exemplificar dentro do meio evangélico, a dita musica gospel já produziu algumas vezes, superstars para seu próprio mundo; cantores de muita projeção, com personalidades tão egocêntricas que poderíam constranger qualquer Beatle ou Elvis Presley em razão da contradição entre a mensagem que cantaram e a vaidade que ostentaram.  Temos para nossa própria vergonha, autoproclamados irmãos em Cristo que tanto se embeberam no dinheiro e na fama, que tornaram a música de adoração ou meditação cristã algo tão descartável e sem contexto de vida, quanto o próprio "evangelho" que vivem eles. Mas, se ainda podemos usufruir de muitos exemplos de músicos e cantores que oferecem uma música de qualidade e conteúdo dignos do Evangelho do Senhor, penso que poderíamos dar-lhes a chance de fazerem conhecidos por nós. Penso também que se assim o fizermos, adotarmos um critério de análise daquilo que lemos, ouvimos ou vemos, dentro da perspectiva e da cosmovisão cristã, isso nos fará além de pessoas mais críticas e menos suscetíveis a modismos sem valor, cristãos menos controversos e melhores para Deus.
            Entretanto não posso permitir-me oferecer aqui apenas este texto menos meditação e mais crítico, se esse espaço específico se propõe a disponibilizar um conteúdo mais reflexivo e de natureza de elevação espiritual. Como já entramos na seara da música, nela ficaremos. 
            Keith Gordon Green nasceu em 21 de outubro de 1953, em Sheepshead Bay, Nova Iorque e desde a primeira infância mostrou tanto aptidão quanto paixão pela música. Aprendeu a tocar uma grande diversidade de instrumentos, com uma especial entrega para o piano. Logo despertou a atenção da imprensa e de produtores de programas que viam nele um ídolo Teen em potencial, e tendo assinado contrato com uma grande gravadora do cenário musical americano seu nome foi alçado a fama na televisão por um breve tempo, até quando um outro jovem com o mesmo potencial tomou-lhe o lugar e a fama.
            De origem judaica , o jovem Keith vivia a contradição de ser judeu por nascimento e conciliar a mensagem de Cristo até o dia em que cansado de buscar sentido na ciência e na filosofia e depois de um tempo em que se tornara e depois abandonara o uso de drogas, abraçou o cristianismo como base para  ministério pessoal ainda que tenha conservado rituais e liturgias judaicas; Keith e sua esposa depois tornaram-se o que conhecemos mais próximo como judeus messiânicos.  Mas, a grande reviravolta se deu através do ministério de evangelização iniciado por Keith e sua esposa junto a principalmente dependentes químicos, prostitutas e sem-tetos, ministério esse, que se tinha como sede a própria residência do casal Keith e Melody. O ministério bem como a fé individual de Keith foi muito influenciada pelo célebre pregador Leonard Ravenhill e alcançou grande impacto onde atuava. Nessa época Keith já desenvolvia em paralelo tanto a carreira de cantor e músico de composições com mensagens retiradas da Bíblia e a atuação do ministério de auxílio e libertação dos perdidos e marginalizados. Keith muito cedo decidiu não mais cobrar nada nem por suas apresentações ou por sua música, ele aceitava o valor que as pessoas considerassem apropriado, e quase toda a soma arrecadada com o seu trabalho era destinada a equipar e prover o seu ministério, o Last Days Ministries. Em 28 de Julho de 1982, Keith Green morreu trágica e prematuramente em um acidente aéreo que vitimou outras dez pessoas dentre as quais, um casal de filhos de Green.

Abaixo a tradução de uma de suas belas composições:

Make my life a prayer to you/ Faça de minha vida uma oração para Você.

Faça de minha vida uma oração para Você. 
Eu quero fazer tudo o que Tu queres que eu faça.
Sem palavras vazias e sem mentiras
nenhuma oração simbólica sem compromisso.

Eu quero brilhar a luz que Você deu
através de seu Filho que Você enviou para nos salvar.
De nós mesmos e de nosso desespero. 
Conforta-me saber que Você está realmente lá.

Bem, eu quero agradecer a Você agora
por ser paciente comigo. 
Ah! É tão difícil de ver
quando meus olhos estão sobre mim.
Acho que vou ter que confiar e só acreditar no que Você diz.
Oh! Você está vindo novamente,
vindo para me levar embora.

Eu quero morrer e deixar Você dar
sua vida para mim , para que eu possa viver 
e partilhar a esperança que Você me deu.
O amor que me liberta.


Oh! Lord, You're beautiful/ Oh! Senhor, Tu és lindo

Oh! Senhor, Tu és lindo Tua face é tudo o que eu busco.
Pois quando os teus olhos estão sobre este filho,
Tua graça transborda sobre mim.

Quero levar tua Palavra e resplandecê-la à todas as nações.
Mas primeiro, ajuda-me a vivê-la Senhor.
Quando eu estiver bem, ajuda-me
a não buscar uma coroa.
pois, a minha recompensa é dar glória a Ti.

Oh! Senhor, por favor acenda a chama
que uma vez queimou brilhante e clara.
Troque a luz do meu primeiro amor
que brilha com temor santo.

Quero levar tua Palavra e resplandecê-la à todas as nações
Mas primeiro, ajuda-me a vivê-la Senhor.
E quando eu estiver bem, ajuda-me
a não buscar uma coroa.
Pois a minha recompensa é dar glória a Ti.

Aqui também, a música de Keith Green disponível através de links YouTube:










sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Você sabe... #6 O que é o Cânon?


Imagem de Atanásio de Alexandria "o homem que salvou a fé" no Século IV.



                 Cânon é um vocábulo que não consta no texto das Escrituras Sagradas, mas, deriva da palavra grega kanón  que por sua vez captura sua origem no termo hebraico Kaneh e, sua tradição literal significa respectivamente vara de medir ou cana, e, norma ou regra. Então, o termo Cânon indica aquilo que está dentro da norma ou de acordo com a regra; no sentido que comporte as Escrituras, descreve os livros da Bíblia que compõem a regra de fé dos cristãos.
                  O primeiro uso da palavra dentro nesse sentido teológico escrituristico se deu por Atanásio, o bispo de Alexandria e um dos "pais da igreja" do Século IV em epístola escrita às igrejas onde dentre outros assuntos, ele as informava quais os livros  que fazíam constituir o corpo e conteúdo da Bíblia. Era um período de convulsão e de acaloradas polêmicas teológicas na igreja cristã, em que muitas heresias eram disseminadas e buscavam adentrar ao credo da comunidade cristã e a atuação refulgente e perseverante de Atanásio nos embates e concílios foi de vital importância para a definição da canonicidade dos livros da Bíblia. A sua luta contra heresias como o Arianismo, por exemplo foi tida por seus contemporâneos como salvadora da fé, para ilustrar, basta dizer que quando da realização do Concílio de Nicéia no ano 325, ele era apenas um diácono sem direito à fala, mas diante da profundidade e relevância das discussões e intensamente compungido, tomou a palavra e impôs com brilhantismo suas posição.
               A despeito de algumas teorias que afirmam que a idade, a língua ou equivalência religiosa determinam a canonicidade de um livro, em verdade, a inspiração é o elemento que define se determinado livro é ou não normativo para o homem como Palavra de Deus. Conforme afirma Norman Geisler: "Os livros da Biblia não são considerados oriundos de Deus por se haver descoberto neles algum valor; são valiosos porque provieram de Deus- fonte de todo bem. O processo mediante o qual Deus nos concede sua revelação chama-se inspiração.É a inspiração de Deus num livro que determina sua canonicidade. Deus dá autoridade divina a um livro, e os homens de Deus o acatam. Deus revela, e seu povo reconhece o que  o Senhor revelou. A canonicidade é determinada por Deus e descoberta pelos homens de Deus. A Bíblia constitui o "cânon", ou "medida" pela qual tudo mais deve ser medido. e avaliado pelo fato de ter autoridade concedida por Deus. Sejam quais forem as medidas (i.e., os cânones) usadas pela igreja para descobrir com exatidão que livros possuem essa autoridade canônica ou normativa, não se deve dizer que "determinam" a canonicidade dos livros. Dizer que o povo de Deus, mediante quaisquer regras de reconhecimento, "determina" que livros são autorizados por inspiração de Deus só confunde a questão. Só Deus pode conceder a um livro autoridade absoluta e, por isso mesmo, canonicidade divina."*
               "O sentido primário da palavra cânon aplicado às Escrituras é aplicado na acepção ativa, i.e., a Bíblia é a norma que governa a fé. O sentido secundário, segundo o qual um livro é julgado por certos cânones e é reconhecido como inspirado (o sentido passivo), não deve ser confundido com a determinação divina da canonicidade. Só a inspiração divina determina a autoridade de um livro, i.e., se ele é canônico, de natureza normativa."**
               Durante o Concílio de Cartago  no ano 397 foi discutido e celebrado: " [Foi decidido] que nada, salvo as Escrituras canônicas, deveria ser lido na igreja sob o nome de 'Divinas Escrituras'. As Escrituras canônicas são: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Rute, 4 livros dos Reinos (1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis), 2 livros dos paralipômenos (1 e 2 Crônicas), Jó, o saltério de Davi (Salmos), 5 livros de Salomão (Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos cânticos, Sabedoria e Eclesiástico), 12 livros dos profetas (Oséias, Joel, Amós, Abdias+ ou Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc+, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias), Isaias, Jeremias, Daniel, Ezequiel, Tobit+, Judite, Ester, 2 livros de Esdras, e 2 livros dos Macabeus. E também, do Novo Testamento: 4 livros dos Evangelhos, 1 livro dos Atos dos Apóstolos, 13 epístolas de Paulo apóstolo, 1 do mesmo [Paulo] aos Hebreus, 2 de Pedro, 3 de João, 1 de Tiago, 1 de Judas, [e] o Apocalipse de João. Assim, [foi decidido] que a igreja do outro lado do mar seria consultada para confirmar este cânon, bem como será permitido ler os sofrimentos dos mártires, quando da celebração de seus dias de aniversário." ***
                Como você percebe neste excerto construido pelo concílio de Cartago, constam na lista dos livros veterotestamentários canônicos da Bíblia diferenças pontuais de grafia e discriminação dos mesmos, além de também verificar a adição dos livros chamados deuterocanônicos constantes da Biblia de versão grega (Septuaginta), mas que não constam no texto hebraico. Na lista dos livros neotestamentários, a única observação a ser feita é a atribuição da epístola aos  Hebreus ao apóstolo Paulo, uma compreensão quase que universalmente negada. No Século XVI com a consolidação da Reforma Protestante, a Bíblia Sagrada foi finalmente estabelecida em conformidade com o corpo canônico que a conhecemos hoje, com 39 livros do Antigo Testamento e 27 livros do Novo Testamento. Dentre os anos de 1545 e 1563, a igreja católica apostólica romana realizou o concílio de Trento na tentativa de mostrar reação ao avanço da Reforma, e, voltou a ratificar os livros deuterocanônicos para o conteúdo das Escrituras, mas , esta decisão e esta listagem tornaram-se  uma propriedade especial dela.




Fontes:
* e **: Introdução Bíblica, como a Bíblia chegou até nós._Norman Geisler e William Nix/ Editora Vida 
+: Grafias utilizadas na época.
***:  Cânone 36 do concílio de Cartago, conforme ; Denzinger Enchiridion Symbolorum (fonte do dogma católico)






quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Os profetas e a profecia em nós




                 Você que é um crente cristão devotado e assíduo, com uma trajetória na fé o bastante extensa para já ter experimentado as mais diversas formas de prazer e de dissabores dentro da igreja, colocaria sua confiança na proclamação e no testemunho de pessoas socialmente estranhas, que constantemente confrontam o governo e as pessoas comuns pelo fato que elas desfrutam dos deleites do mundo? Colocaria você, importância e seguiria a instrução que deriva de uma conduta e personagens extravagantes, tais como um homem que anuncia a Palavra de Deus através de encenações típicas de um teatro experimental e gestos tão anômalos quanto deitar-se sobre o seu lado esquerdo durante 395 dias por entre miniaturas simbólicas postas à sua frente e logo após, repetir o procedimento no decorrer de 40 dias por sobre o seu lado direito, isto, para representar o tempo de rebeldia e iniquidade de Israel e Judá respectivamente? Ou, ainda, você se colocaria ao lado de um homem que põe à prova sua posição de prestígio e sua própria vida condenando-se à um covil de feras por não abrir mão de testemunhar publicamente a sua fé?
                Se  para todas estas situações propostas você responde negativamente, lamentavelmente estará dando indicação clara, de que está mais formatado para a ética e o pensamento politicamente correto do mundo, e assim, diametralmente longe da mensagem cristã, especificamente dos profetas da Bíblia. Os profetas de Deus formam a linhagem de continuidade entre o Antigo e o Novo Testamentos mais extensa e visível que vai encerrar em João Batista, quando consideramos a anunciação de Deus desde a Lei mosaica até a Boa Nova da Graça de Deus em Cristo. Muitos são os profetas tais como o próprio Moisés e Samuel que tiveram ou viveram outros ministérios em suas vidas, mas, dando continuidade e sentido ao que propomos no começo, os profetas foram aqueles que falaram e praticaram o que Deus os ordenou e inspirou a fazer; seu interesse primordial está em que Deus chama o seu povo ao arrependimento e ao retorno ao aprisco d'Ele. Os profetas Maiores Jeremias, Ezequiel e Daniel rogam publicamente a todos os desgarrados da Casa de Israel e de Judá em meio a copioso sofrimento, mas, não omite o pecado e a culpa deles, nem se exime de afrontar as autoridades civis e religiosas da Nação. Não importa o risco de pesar-lhe maior sofrimento ou morte, o profeta anunciador é personagem insignificante diante do anúncio à ele entregue e confiado. 
               Nisso, é que devemos consultar pessoalmente a Deus para conhecermos a natureza e o tamanho de nosso chamado. Somos também, ou podemos ser feitos profetas no sentido de que uma palavra nos foi revelada e esta, nos regenerou para uma Nova Natureza e Nova Vida, apesar de não compreendermos o chamado profético como o de outrora, somos no mínimo chamados a testemunhar da nossa fé quando nos for requisitado. Não pode o crente cair na falácia de prédicas vazias e sem contexto bíblico que nos empurram para que sejamos hoje, Jeremias, Ezequiéis ou Daniéis redivivos, para cada indivíduo no mundo Deus tem um propósito e um tamanho específicos. A ambição que deve povoar a mente do crente não é a que busca o espírito do profeta, mas, o Espírito da profecia, como já aconteceu de forma fulgurante com João Batista. No entanto, lembremos da ousadia, da impetuosidade e do não conformismo diante dos padrões que regem o mundo a nossa volta.
               Há requisitos fundamentais que não se perdem ou caducam com o tempo não importa o quanto pareçam loucura para o mundo. Em verdade, o Evangelho da Graça de Jesus sempre apresentará para os olhos do  mundo traços de escândalo e loucura como bem apontou o apóstolo Paulo (1Co 1: 23). É quase certo que Deus não vai fazer de você um que se assemelhe a um psicótico para testemunhar acerca d'Ele como fez com Ezequiel; não fará de você um cantor fúnebre em meio a desolação, como fez com Jeremias, o profeta "chorão"; também não vai lançar-te em um covil de animais selvagens famintos para coroar sua fidelidade, como fez a Daniel. Entretanto, Deus vai sempre requerer de você  e de qualquer um de nós, coragem, firmeza e confiança para responder na medida em que podemos suportar as ofensas e cobranças que nos serão impostas pelo mundo e dar testemunho da glória d'Ele em nós. A leitura dos textos dos profetas e de profecia da Bíblia Sagrada são uma riquíssima ferramenta para compreender o papel do cristão na sociedade, para fortalecer a capacidade de perseverança nossa e a esperança que temos em nosso Deus. Para contribuir com a nossa busca a respeito de nosso chamado e tamanho dentro do plano profético de Deus, a seguir reproduzimos a linda e inspiradora percepção referida à doutora e mística da igreja do Século XVI, Teresa de Cepeda y Ahumada, celebremente conhecida como Teresa d'Ávila:___________"Cristo não tem atualmente sobre a terra nenhum outro corpo senão o teu;
                                   nem  outras mãos senão as tuas;
                                   nem outros pés senão os teus.
                                   Tu és os olhos com os quais a compaixão de Cristo
                                    deve olhar o mundo;
                                    Tu és os pés com os quais Ele deve ir fazendo o bem; 
                                    Tu és as mãos com as quais Ele deve
                                     abençoar os homens de hoje" 



Uma representação artística de Ezequiel, capítulo 37.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Série Documentário #2. Liberdade religiosa no Brasil República





                 A liberdade religiosa assegurada dentro do preceito publico de separação igreja-estado é uma disciplina do Direito e uma conquista advinda de muitas lutas históricas da humanidade em busca da livre expressão de consciência do indivíduo no seu meio. A Reforma Protestante lutou por esse ideal ( ainda que as vezes, por vias sinuosas ), quando combatia os abusos do Papismo e dos governos absolutistas pela igreja substanciados e quando refazia a interpretação dos limites de atuação e influência dos poderes eclesiástico e civil dentro do Estado. O filósofo político inglês John Locke (1632-1704), o pai do empirismo, foi um defensor e artífice nessa luta pela liberdade de consciência do indivíduo, tendo ele próprio percorrido uma peregrinação de conhecimento que incluiu passagens pelo Calvinismo trinitário e pelo socinianismo ( crença que afirma Deus ser uma única pessoa ). Locke defendia a tolerância em face do Absolutismo e lançou bases fundadoras para uma democracia liberal e para a defesa de direitos humanos que tornaram-se mais intensos e abrangentes com o filósofo francês e discípulo de Locke, François-Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, e, os humanistas do Iluminismo Francês.
                 Mesmo tendo sido uma luta que se consolidou pelas tortas vias do humanismo e tenha sido consagrada com o Laicismo que mais tarde voltou-se contra a iniciativa de atuação profética da igreja, a liberdade religiosa como doutrina é um êxito para as liberdades como um todo e à autonomia individual de culto e deve ser sempre defendida e suportada pelo corpo visível da igreja. No Brasil a liberdade de culto começou a ganhar espectro com a Constituição de 1824, quando o governo imperial permitiu uma limitada abertura para a atividade de culto diversa da religião oficial ( Catolicismo ) do império. Com a  Republica no entanto, logo em 1890 o decreto 119-A, institui a liberdade religiosa como preceito e proclama a separação entre Igreja e Estado. Abaixo reproduzimos o texto publicado pelo governo republicano:



                     " O marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, Decreta:
       Art. 1. É proibido à autoridade federal, assim como à dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do país, ou os serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas e religiosas.
       Art 2. A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.
       Art 3. A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também às igrejas, associações e institutos que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção  do poder público.
       Art 4. Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.
       Art 5. A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.
       Art 6. O Governo Federal continua a prover a côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por ano as cadeiras dos seminários; ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.
       Art 7. Revogam se as disposições em contrario.
                  Sala das sessões do Governo Provisório, 7 de Janeiro de 1890, 
                                                                2 (segundo) da República. 
                                                                   Marechal Deodoro da Fonseca.
                                                                           Aristides da Silveira Lobo.    
                                                                                               Ruy Barbosa.     
                                                    Benjamin Constant Botelho de Magalhães.
                                                                                  Eduardo Wandenkolk.
                                                                        M. Ferraz de Campos Salles.
                                                                               Demétrio Nunes Ribeiro.
                                                                                        Quintino Bocaiúva.*
          



                         Fonte: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/d119-a.htm.



                 


                         
                 

sábado, 3 de outubro de 2015

Meditari



Registro iconográfico representando o martírio de Inácio de Antioquia.

   

                  Inácio foi o bispo terceiro da cidade de Antioquia da Síria conforme nos informa o registro histórico de Eusébio de Cesaréia, apesar de Orígenes nos afirmar que ele tenha sido o segundo, foi discípulo de João, também teria tido contato com o apóstolo Paulo e sucedido ao apóstolo Pedro na igreja de antioquia. Ainda que tenha também nela nascido, o seu nome é de origem latina e carrega todo um simbolismo o qual por toda a sua vida ele encarnou; Igne (fogo) + natus (nascido)=  aquele que é nascido do fogo, e foi como um distintivo de sua própria identidade que Inácio conduziu essa chama internamente em sua vida; vida marcada por uma paixão abrasada por Cristo e pela proclamação de sua Palavra. 
                   O bispo Inácio nos deixou e ainda se preserva de sua obra algumas epístolas enviadas para igrejas e cristãos que viviam da região que ele pastoreava e de outras mais distantes, onde podemos ter contato com a orientação de um homem zeloso e rigoroso mas que se impõe pelo exemplo pessoal e pela rendição completa ao ministério o qual lhe fora confiado. Destaca-se de seus escritos, suas considerações acerca da trindade, da pessoa e obra do Cristo  Deus, da  reunião e unidade dos cristãos, além de ser ele, Inácio um dos pais da igreja em que vemos a menção e defesa do Domingo como o Dia do Senhor para os cristãos. Escreveu ele na epístola aos magnésios: "Aqueles que viviam na antiga ordem de coisas chegaram à Nova Esperança, e não observam mais o Sábado, mas o Dia do Senhor, em que nossa vida se levantou por meio dele e da sua morte. Alguns negam isso, mas é por mio desse mistério que recebemos a fé e no qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre. Como podemos viver sem aqu'Ele que até os profetas, seus discípulos em espírito, esperavam como Mestre? Foi precisamente aqu'Ele que justamente esperavam, quem ao chegar, os ressuscitou dos mortos.
                   Foi preso e condenado pelo imperador Trajano a ser consumido por feras selvagens no coliseu romano, mas, para que também fosse um exemplo da intolerância de Roma pelos cristãos foi submetido a uma peregrinação forçosa e exemplar pelas cidades no caminho até a capital do império, o que por obra de Deus, acabou proporcionando-lhe o encontro e o testemunho diante de outros crentes. Conta a tradiçao da igreja, que acerca de seu iminente martírio teria publicamente declarado: "Sou trigo de Deus; que seja eu triturado pelos dentes das feras para tornar-me puro pão de Cristo".
                   Logo a seguir, lemos um pequeno extrato de sua pena, onde o ardente cristão de Antioquia nos convida a imitar a Cristo e sua paixão, na sua epístola aos romanos:
                  

                 Imitar a paixão de Cristo

Para nada me serviríam os encantos do mundo, nem os reinos deste século. Para mim, é melhor morrer para Cristo Jesus do que ser rei até os confins da terra. Procuro aqu'Ele que morreu por nós; quero aqu'Ele que por nós ressuscitou.Meu parto se aproxima. Perdoai-me,  irmãos. Não me impeçais de viver, não queirais que eu morra.não me abandoneis ao mundo, não seduzais com a matéria quem quer pertencer a Deus. Deixai-me receber a luz pura; quando tiver chegado lá, serei homem. Deixai que seja imitador da paixão do meu Deus. Se alguém tem Deus em si mesmo, compreenda o que quero e tenha compaixão de mim, conhecendo aquilo que me oprime.
O príncipe deste mundo quer arrebentar-me e corromper o meu pensamento dirigido a Deus. Que ninguém dos que aí estão presentes o ajude. Antes colocai-vos do meu lado, isto é, do lado de Deus. Não tenhais Jesus Cristo na boca, desejando, ao mesmo tempo, o mundo. Que a inveja não habite em vosso meio. Mesmo se eu estiver junto de vós e vos implorar, não vos deixeis persuadir. Persuada-vos aquilo que vos escrevo. É vivo que eu vos escrevo, mas com anseio de morrer. Meu desejo terrestre foi crucificado, e não há mais em mim fogo para amar a matéria. Dentro de mim, há uma água viva, que murmura e diz: "Vem para o pai". Não sinto prazer pela comida corruptível, nem me atraem os prazeres desta vida. Desejo o Pão de Deus, que é a carne de Jesus Cristo, da linhagem de Davi, e por bebida desejo o sangue d'Ele, que é o amor incorruptível.
                 

                                                                  Inácio de Antioquia / Epístola aos romanos